Germinal – Educação e Trabalho

Soluções criativas em Educação, Educação Profissional e Gestão do Conhecimento

Ritos de Passagem 31 de agosto de 2011

O artigo de Jerônimo Lima, que reproduzimos a seguir, também pode ser encontrado no ScribdO artigo é curto. Por isso, decidimos publicá-lo na íntegra.

O autor faz um uso muito interessante de conceitos que também utilizamos em nosso livro Ritos de Passagem – Gerenciando Pessoas para a Qualidade. Inclusive, o artigo cita esse livro como uma de suas referências principais.

 

RITOS DE PASSAGEM CORPORATIVA

 

Jerônimo Lima,

jeronimo@institutoamanha.com.br

No final de 1989, participei, nos EUA, de um treinamento com Stephen Covey sobre “liderança baseada em princípios”. Desde aquela época, a cada entrada de ano, renovo meu Plano Estratégico Pessoal, revendo os resultados que consegui, analisando minha coerência com os valores pessoais que decidi seguir e reavaliando meus fracassos. Este é o meu “rito de passagem“ para o ano novo.

Um rito designa deferentes atos ou comportamentos, individuais ou coletivos, que seguem regras destinadas a serem repetidas de acordo com um esquema previamente determinado. No latim ritus, o termo significa uma cerimônia religiosa – ou todo ato profano com significação social. Em um sentido mais restrito, “rito” diz respeito às diversas formas cerimoniais com que o homem tentou dominar poderes sobrenaturais ou ocultos para alcançar seus propósitos. O rito se distingue do costume por ser um tipo de ação não atrelada aos fatos empíricos. Por isso, a idéia de rito sempre nos traz um clima de mistério e de desafio.

Um rito de passagem é uma manifestação de expectativa de transformação que nos levará a uma realidade possivelmente melhor. O simbolismo dos ritos evoca metáforas úteis para essa idéia de transição, de passagem, de transformação de um estado para outro. Chama-se isto de “renovação”.

Eu percebo que os esforços implícitos no meu rito de passagem provocam em mim uma tensão – pelo intenso envolvimento que tenho com minha missão. A cada rito, primeiramente medesestabilizo ante meus fracassos. Mas depois reflito sobre eles para entender os motivos pelos quais não atingi meus objetivos. E então fico exultante quando descubro o que posso fazer no próximo ano para tornar minha existência ainda mais feliz.

Essa viagem em torno da qual os planos são revistos, e que visa à evolução naquilo que fazemos, é o que os administradores chamam hoje de “aprendizado”, importando uma expressão típica da Pedagogia.

Em seu livro “Ritos de Passagem“, José Antonio Kuller ensina: “nos mitos, o fim da viagem é, em última instância, a transformação do personagem que dela participa. No sentido simbólico, as etapas, provas e barreiras especiais são colocadas no caminho do viajante”. A forma de superação desses obstáculos configura ritos de passagem. E a purificação obtida durante a etapa impulsiona o viajante e o fortalece para a travessia. E a travessia, finalmente, remete a outra viagem.

O principal rito de passagem que caracteriza a transformação de uma empresa mediana em uma empresa excelente ocorre quando as pessoas que nela trabalham começam a partilhar os mesmos valores e métodos de fazer negócios; os mesmos padrões de comportamento são praticados em todos os níveis hierárquicos; e metas são alinhadas, mesmo em ambientes pluralistas, criando motivação e lealdade superiores. Assim, como receita de sucesso, percebe-se que é preciso ser inflexível em relação aos valores centrais da cultura corporativa. E ser flexível em relação à maioria das práticas no que diz respeito a outros valores.

Para que este rito de passagem se viabilize, é preciso estimular a adaptabilidade da cultura em relação às mudanças que se verificam no macroambiente. Isso só é possível com uma liderança forte, mas não autoritária ou repressora sobre as iniciativas das pessoas que desejam realmente contribuir.

Em uma empresa, a cultura é perpetuada por vários ritos e rituais que, repletos de simbolismo e emoção, irmanam as pessoas em torno dos ideais que são comuns a elas. Por isso, quando bem conduzidos, esses eventos se transformam em poderosos catalisadores de energia e da motivação dos envolvidos – trazendo à forca coletiva um poder revitalizador.

 

Nas antigas comunidades indígenas, alguns ritos, como o da celebração da colheita e o da passagem dos jovens da adolescência para a idade adulta, eram cultuados e transmitidos de geração para geração. No ambiente empresarial, os ritos mais importantes são os de ingresso à empresa e de iniciação nela, os ritos de hierarquia e poder, os de celebrações e festas e os de saída, demissão e aposentadoria.

Na tentativa de revalorizar a cultura, todo evento ritualístico deve ser balizado pelo enfoque da gestão da cultura, de modo a reforçá-la. Quando os valores culturais são trabalhados na comunidade interna, a organização demonstra “aprendizado”.

Neste início de ano, se você quer começar bem, buscando tornar sua empresa uma “organização que aprende”, identifique um elenco de eventos que combinem com os novos valores culturais que a comunidade pretende instaurar. Em um aspecto mais amplo, sirva de instrumento para a solidificação de uma cultura de alto desempenho. E parta para a definição daquelas práticas de gestão que vão modelar o trabalho das pessoas – para que queiram se tornar as melhores do mundo naquilo que fazem.

EM BUSCA DO SABER PROFUNDO

Para aprofundar seus conceitos nos temas abordados neste artigo, sugiro uma pesquisa àsseguintes fontes de referência:

Ritos de Passagem, de José Antonio Küller, ed. Senac.

Passagens: Crises Previsíveis da Vida Adulta, de Gail Sheehy, ed. Francisco Alves.

Novas Passagens, de Gail Sheehy, ed. Rocco.

Ritos e Rituais Contemporâneos, de Martine Segalen, ed. FGV.

Gestão da Cultura Corporativa, de Sílvio Luiz Johann, ed. Saraiva.

A Cultura Corporativa e o Desempenho Empresarial, de John Kotter e James Heskett, ed. Makron.

 

Vamos salvar o Domínio Público? 29 de agosto de 2011

Todos sabemos que a Internet democratiza a publicação e a circulação do discurso e da opinião. Todos também percebemos a imensa riqueza da Internet  na democratização e ampliação do acesso à informação. É também inegável a sua importância na comunicação entre as pessoas e sua potencialidade na geração e organização de movimentos populares na defesa de interesses que, de outra forma, não teriam como se manifestar.

Entretanto, é preciso certo cuidado com o que é veiculado na Internet. A facilidade de publicação, exige uma atitude mais crítica quanto às fontes e ao conteúdo da informação. Isso é mais relevante no caso de engajamento em causas e movimentos que circulam pela Internet.

Cito como exemplo o caso de uma campanha recorrente em defesa do portal Domínio Público. Segundo certa corrente veiculada na Internet ele estaria para ser fechado por falta de acessos. Por isso, precisaria do apoio dos internautas. Na verdade, o perigo de encerramento do site nunca existiu. O site é mantido pelo MEC e não precisa do apoio que é solicitado na corrente para permanecer no ar.

Entretanto a colaboração dos Internautas é bem vinda. O próprio site tem um espaço onde é dito: “Você pode colaborar com o Portal Domínio Público como:

Voluntário (digitalizando obras que já se encontram em domínio público);
Autor (cedendo obras de sua autoria, se você é escritor, músico, fotógrafo, ilustrador, cineasta etc); ou
Parceiro (cedendo os direitos autoriais de obras que a sua organização – pessoa jurídica – detenha).
Tradutor (traduzindo obras que já se encontram em domínio público );

Há muito tempo frequento o site. Devo reconhecer que a falsa campanha tem uma certa utilidade, pelo menos para mim. Sempre que recebo a já antiga e repetitiva mensagem, volto a acessar o Domínio Público. Na última vez, detive-me na obra de Machado de Assis, que está integralmente publicada no site. Da extensa obra, escolhi rever as Crônicas e delas as publicadas entre 1892 e 1984. Dessa coletânea retirei a pérola que republico a seguir.

SALTEADORES DA TESSÁLIA

(Machado de Assis, 1893, novembro)

Tudo isto cansa, tudo isto exaure. Este sol é o mesmo sol, debaixo do qual, segundo uma palavra antiga, nada existe que seja novo. A lua não é outra lua. O céu azul ou embruscado, as estrelas e as nuvens, o galo da madrugada, é tudo a mesma coisa. Lá vai um para a banca da advocacia, outro para o gabinete médico, este vende, aquele compra, aquele outro empresta, enquanto a chuva cai ou não cai, e o vento sopre ou não; mas sempre o mesmo vento e a mesma chuva. Tudo isto cansa, tudo isto exaure.

Tal era a reflexão que eu fazia comigo, quando me trouxeram os jornais. Que me diriam eles que não fosse velho? A guerra é velha, quase tão velha como a paz. Os próprios diários são decrépitos. A primeira crônica do mundo é justamente a que conta a primeira semana dele, dia por dia até o sétimo em que o Senhor descansou. O cronista bíblico omite a causa do descanso divino; podemos supor que não foi outra senão o sentimento da caducidade da obra.

Repito, que me trariam os diários? As mesmas notícias locais e estrangeiras, os furtos do Rio e de Londres, as damas da Bahia e de Constantinopla, um incêndio em Olinda, uma tempestade em Chicago, as cebolas do Egito, os juízes de Berlim, a paz de Varsóvia, os Mistérios de Paris, a Lua de Londres, o Carnaval de Veneza… Abri-os sem curiosidade, li-os sem interesse, deixando que os olhos caíssem pelas colunas abaixo, ao peso do próprio fastio. Mas os diabos estacaram de repente, leram, releram e mal puderam crer no que liam. Julgai por vós mesmos.

Antes de ir adiante, é preciso saber a idéia que faço de um legislador, e a que faço de um salteador. Provavelmente, é a vossa. O legislador é o homem deputado pelo povo para votar os seus impostos e leis. É um cidadão ordeiro, ora implacável e violento, ora tolerante e brando, membro de uma câmara que redige, discute e vota as regras do governo, os deveres do cidadão, as penas do crime. O salteador é o contrário. O ofício deste é justamente infringir as leis que o outro decreta.

Inimigo delas, contrário à sociedade e à humanidade, tem por gosto, prática e religião tirar a bolsa aos homens, e, se for preciso, a vida. Foge naturalmente aos tribunais, e, por antecipação, aos agentes de polícia. A sua arma é uma espingarda; para que lhe serviriam penas, a não serem de ouro? Uma espingarda, um punhal, olho vivo, pé leve, e mato, eis tudo o que ele pede ao céu. O mais écom ele.

Dadas estas noções elementares, imaginai com que alvoroço li esta notícia de uma de nossas folhas: “Na Grécia foi preso o deputado Talis, e expediu-se ordem de prisão contra outros deputados, por fazerem parte de uma quadrilha de salteadores, que infesta a província de Tessália”. Dou-vos dez minutos de incredulidade para o caso de não haverdes lido a notícia; e, se vos acomodais da monotonia da vida, podeis clamar contra semelhante acumulação. Chamai bárbara  à moderna Grécia, chamai-lhe opereta, pouco importa. Eu chamo-lhe sublime.

Sim, essa mistura de discurso e carabina, esse apoiar o ministério com um voto de confiança às duas horas da tarde, e ir espreitá-lo às cinco, à beira da estrada, para tirar-lhe os restos do subsídio, não é comum, nem rara, é única. As instituições parlamentares não apresentam em parte nenhuma esta variante. Ao contrário, quaisquer que sejam as modificações de clima, de raça ou de costumes, o regímen das câmaras difere pouco, e, ainda que difira muito, não irá ao ponto de pôr na mesma curul Catão e Caco. Há alguma coisa nova debaixo do sol.

Durante meia hora fiquei como fora de mim. A situação é, na verdade, aristofanesca. Só a mão do grande cômico podia inventar e cumprir tão extraordinária facécia. A folha que dá a notícia não conta nada da provável confusão de linguagem que há de haver nos dois ofícios. Quando algum daqueles deputados tivesse de falar na Câmara, em vez de pedir a palavra, podia muito bem pedir a bolsa ou a vida. Vice-versa, agredindo um viajante, pedir-lhe-ia dois minutos de atenção. E nada ficaria, em absoluto, fora do seu lugar; com doisminutos de atenção se tira o relógio a um homem, e mais de um na Câmara preferiria entregar a bolsa a ouvir um discurso.

Mas, por todos os deuses do Olimpo! não há gosto perfeito na terra. No melhor da alegria, acudiu-me à lembrança o livro de Edmond About, onde me pareceu que havia alguma coisa semelhante à notícia. Corri a ele; achei a cena dos maniotas, que ameaçavam brandamente um dos amigos do autor, se lhes não desse uma pequena quantia. O chefe do grupo era empregado subalterno da administração local. About chega, ameaça por sua vez os homens, e, para assustá-los, cita onome de um deputado para quem levava carta de recomendação. “Fulano! exclamou o chefe da quadrilha, rindo; conheço muito, é dos nossos.”

Assim, pois, nem isto é novo! Já existia há quarenta anos! A novidade está no mandado de prisão, se é a primeira vez que ele se expede, ou se até agora os homens faziam um dos dois ofícios discretamente. Fiquei triste. Eis aí, tornamos à velha divisão de classes, que a terra de Homero podia destruir pela forma audaz de Talis. Aí volta a monotonia das funções separadas, isto é, uma restrição à liberdade das profissões. A própria poesia perde com isto; ninguém ignora que o salteador, na arte, é um caráter generoso e nobre. Talis, se é assim que se lhe escreve o nome, pode ser que tivesse ganho um par de sapatos a tiro de espingarda; mas estou certo que proporia na Câmara uma pensão à viúva da vítima. São duas operações diversas, e a diversidade é o próprio espírito grego. Adeus, minha ilusão de um instante! Tudo continua a ser velho; nihil sub sole novum.

 

Eu pediria o perdão de Talis, se pudesse ser ouvido. Condenem os demais, se querem, mas deixem um, Talis ou outro qualquer, um funcionário duplo, que tire ao parlamento grego o aspecto de uma instituição aborrecida. Que a Hélade deite os ministérios abaixo, se lhe apraz, mas não atire às águas do Eurotas um elemento de aventura e de poesia. Acabou com o turco, acabe com este modernismo, que é outro turco, diferente do primeiro em não ser silencioso. Não esqueça que Byron, um dos seus grandes amigos, deixou o parlamento britânico para fugir à discussão da resposta à fala do trono. E repare que não há, entre os seus poemas, nenhum que se chame O presidente do conselho, mas há um que se chama O Corsário.

 

Educadores do Brasil: Edgar Roquette-Pinto 24 de agosto de 2011

Roquette-Pinto (Edgar R.-P.), médico legista, professor, antropólogo, etnólogo e ensaísta, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de setembro de 1884, e faleceu na mesma cidade em 18 de outubro de 1954.

Era filho de Manuel Menelio Pinto e de Josefina Roquette Carneiro de Mendonça. Foi criado pelo avô João Roquette Carneiro de Mendonça. Fez o curso de humanidades no Externato Aquino. Ingressou, em seguida, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Colou grau em 1905. Logo depois de formado iniciou uma série de estudos sobre os Sambaquis das costas do Rio Grande do Sul. Professor assistente de Antropologia no Museu Nacional em 1906, tornou-se em pouco tempo conhecido como um dos mais sérios antropólogos que o país conhecera. Delegado do Brasil no Congresso de Raças, realizado em Londres, em 1911, resolveu passar mais algum tempo na Europa, a fim de dar prosseguimento aos estudos, com os professores Richet, Brumpt, Tuffier, Verneau, Perrier e Luschan.

Professor de História Natural na Escola Normal do Distrito Federal (1916) e professor de Fisiologia na Universidade Nacional do Paraguai (1920). Fundou, em 1923, na Academia Brasileira de Ciências, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que tinha fins exclusivamente educacionais e culturais e que, em 1936, doou ao Ministério da Educação.

Em 1912 Roquette-Pinto fez parte da Missão Rondon e passou várias semanas em contato com os índios nambiquaras que até então não tinham contato com os civilizados. De volta trouxe para o Museu Nacional vasto material etnográfico e como resultado dessa viagem publicou, em 1917, o livro Rondônia, com o sub-título Antropologia etnográfica, clássico da antropologia brasileira. Foi Roquette quem sugeriu dar a essa região o nome de Rondônia. Nesse campo de estudos publicou Ensaios de Antropologia Brasileira (1933) e Estudos Brasilianos (1941).

Diretor do Museu Nacional de 1915 a 1936, realizou um amplo trabalho de divulgação científica e empreendeu a feitura de uma grande coleção de filmes científicos. Em 1932, fundou a Revista Nacional de Educação; fundou e dirigiu, no Ministério da Educação, o Instituto Nacional do Cinema Educativo e fundou, também naquele ano, o Serviço de Censura Cinematográfica. Esteve em vários congressos nacionais e internacionais sobre temas de sua especialidade. Em 1940 foi eleito diretor do Instituto Indigenista Americano do México. No mesmo ano esteve no México e nos Estados Unidos.

Roquette-Pinto era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina e de inúmeras outras associações culturais, nacionais e estrangeiras. Em homenagem aos seus estudos científicos, vários naturalistas famosos deram o nome de Roquette-Pinto a algumas espécies de plantas e animais: Endodermophyton Roquettei (Parasito da pele dos índios de Mato Grosso) por Olímpio da Fonseca; Alsophila Roquettei, por Brade e Rosenstock; Roquettia Singularis, por Melo Leitão; Phyloscartes Roquettei (pássaro do Brasil Central) por Snethlage; Agria Claudia Roquettei (borboleta) por May

O texto anterior foi reproduzido do original disponível no site da Academia Brasileira de letras que dispõe de mais informações sobre Roquette-Pinto. Para acessá-las clique aqui.

 

A Nova Flauta 23 de agosto de 2011

 

Gostei desde sempre do texto reproduzido a seguir. Considerando o tema central (ensinar e aprender) esse gostar é facilmente explicado. Esse é o tema que mais interessa a todo educador. Considerada a forma de aprender e ensinar mostrada no texto, esse gostar é menos explicável. Por que essa forma de ensinar me agrada? Por que essa forma de aprender me parece razoável?

 

Um deus pode fazê-lo. Mas como um homem pode penetrar as cordas da lira?(RILKE)

Uma nova flauta foi inventada na China. Descobrindo a sutil beleza de sua sonoridade, um professor de música japonês levou-a para o seu país, onde dava concertos por toda parte. Uma noite, tocou com uma comunidade de músicos e amantes da música que viviam numa certa cidade. No final do concerto, seu nome foi anunciado. Ele pegou a nova flauta e tocou uma peça. Quando terminou, fez-se silêncio na sala por um longo momento. Então, a voz do homem mais velho da comunidade se fez ouvir do fundo da sala: “Como um deus!”

No dia seguinte, quando o mestre se preparava para partir, os músicos o procuraram e lhe perguntaram quanto tempo um músico habilidoso levaria para aprender a tocar a nova flauta. “Anos”, ele respondeu. Eles lhe perguntaram se aceitaria um aluno, ele concordou. Depois que o mestre partiu, os homens se reuniram e decidiram enviar-lhe um jovem e talentoso flautista, um rapaz sensível à beleza, dedicado e digno de confiança. Deram-lhe dinheiro para custear suas despesas e as lições de música, e o enviaram à capital, onde o mestre vivia.

O aluno chegou e foi aceito pelo professor, que lhe ensinou uma única e simples melodia. No início, recebeu uma instrução sistemática, mas logo dominava todos os problemas técnicos. Agora, chegava para a sua aula diária, sentava-se e tocava a sua melodia – e tudo o que o professor lhe dizia era: “Falta alguma coisa”. O aluno se esforçava o mais que podia, praticava horas a fio, dia após dia, semana após semana, e tudo o que o mestre dizia era: “Falta alguma coisa”. Implorava ao mestre que escolhesse outra música, mas a resposta era sempre “não”. Durante meses e meses, todos os dias ele tocava e ouvia “Falta alguma coisa”. A esperança de sucesso e o medo do fracasso foram se tornando cada vez maiores, e o aluno oscilava entre a agitação e o desânimo.

Finalmente, a frustração o venceu. Ele fez as malas e partiu furtivamente. Continuou a viver na capital por mais algum tempo, até que seu dinheiro acabou. Passou a beber. Finalmente, empobrecido, voltou à sua província natal. Com vergonha de mostrar-se a seus antigos colegas, foi viver numa cabana fora da cidade. Ainda mantinha sua flauta, ainda tocava, mas já não encontrava nenhuma nova inspiração na música. Camponeses que por ali passavam ouviam-no tocar e enviavam-lhe seus filhos para que ele lhes desse lições de música. E assim ele viveu durante anos.

Uma manhã, bateram à sua porta. Era o mais antigo mestre da cidade, acompanhado de seu mais jovem aluno. Eles lhe contaram que naquela noite haveria um concerto e que todos haviam decidido que não tocariam sem ele. Depois de muito esforço para vencer seu medo e sua vergonha, conseguiram convencê-lo, e foi quase num transe que ele pegou uma flauta e os acompanhou. O concerto começou. Enquanto esperava atrás do palco, no final do concerto, seu nome foi anunciado. Ele subiu ao palco com fúria. Olhou para as mãos e percebeu que havia escolhido a nova flauta.

Agora ele sabia que não tinha nada a ganhar e nada a perder. Sentou-se e tocou a mesma melodia que tinha tocado tantas vezes para o mestre no passado. Quando terminou, fez-se silêncio por um longo momento. Então, a voz do homem mais velho se fez ouvir, soando suavemente do fundo da sala: “Como um deus[1]!”


[1]Nachmanovitch, Stephen. Ser Criativo. São Paulo, Summus Editorial, pág. 13 à 15.

 

Ainda sobre o Ensino Médio 16 de agosto de 2011

 Em muitos artigos publicados no Blog Germinal – Educação e Trabalho, temos tratado do currículo do Ensino Médio. Entendemos currículo como todas as experiências formais e informais de aprendizagem previstas ou produzidas em um determinado contexto social ou institucional. Entendido assim, o tema é bastante abrangente e complexo. Sobre ele existem muitas dúvidas. Mas, sobre ele já temos algumas certezas.

 

É certo e amplamente discutido que o ensino médio não atende as necessidades de seus alunos. É amplamente divulgado, especialmente nos meios empresariais, que o Ensino Médio não atende às necessidades do mercado de trabalho. É inquestionável, para todos os matizes ideológicos e para todos os que se aproximam do assunto, que o ensino médio está distante de atender as necessidades de preparação da juventude para enfrentar os problemas propostos pela sociedade contemporânea. É quase consenso que não temos, no mundo, caminhos seguros para uma nova escola secundária.

 

Então, o espaço está aberto para a criação. Nas artes, a criação antecipa e estimula as tendências. No mundo das necessidades, as inovações são exigidas pela ruína das velhas estruturas. Esse é o caso do ensino médio no Brasil ou da educação secundária no mundo. Não é uma questão de querer mudar. A mudança é imposta. A mudança é necessária e urgente. É preciso mudar.

 

Quando a necessidade de mudar emerge, é necessário um olhar renovado sobre os fundamentos. Toda mudança é feita a partir do que já está estabelecido. Mesmo nas revoluções ou nas grandes conquistas das civilizações em expansão, a nova sociedade é construída sobre as pedras da antiga.

 

Observe, então, os fundamentos do Ensino Médio. Na educação secundária brasileira ou mundial, quais são os grandes fundamentos? Qual desses fundamentos, que destruído, poderia ser a pedra angular da construção nova? Como a nova estrutura pode ser erigida a partir dos escombros da antiga? O que a antiga estrutura reprime? O que pode ser impulsionar uma escola nova?

 

Alguns dizem que é preciso mais recursos e que a educação deve ser prioridade nacional. Outros dizem que precisamos de novos professores. Alguns dizem que o problema reside nas teorias educacionais equivocadas. Outros dizem que precisamos de famílias que se preocupem com a educação de seus filhos. Outros dizem que…

 

Concordamos com os que dizem que a mudança educacional necessária é uma questão de recursos. Mas, falamos também de um tipo especial de recurso. Existe nos escombros da atual educação média um imenso potencial de recursos não aproveitados e até reprimidos. Falamos da energia juvenil.

 

Os números exatos não importam muito. Mas, hoje, só no Brasil, temos cerca de nove milhões de jovens sentados durante quatro ou mais horas por dia ouvindo um professor falar sobre coisas que vão ser certamente esquecidas. Em termos econômicos, são 28 milhões de homens/ horas/ dia consumidas em um enorme exercício de obediência e de paciência. Horas consumidas na expectativa de passar no vestibular para uma universidade que vai exigir a mesmo exercício e oferecer a mesma promessa: um emprego promissor.

 

Esse exercício monumental deveria pelo menos produzir a paciência e a obediência que são seus pilares.  Hoje, isso não é tão certo. O exagero na dose pode transformar o remédio em veneno. Os jovens detestam as aulas e mesmo com o atrativo da convivência com outros jovens, começam a abandonar a escola.  A violência escolar e as revoltas juvenis são cada vez mais frequentes.  Também na outra ponta, no mercado de trabalho que deveria receber esses jovens, a subserviência é questionada. Dizem que ela não é mais tão necessária como “virtude” do trabalhador na manutenção e no avanço de uma sociedade capitalista avançada. É um consenso pelo menos retórico que o avanço econômico na “sociedade do conhecimento” requer a iniciativa e a criatividade do trabalhador.

 

Propomos que o novo ensino médio seja construído a partir da liberação da energia juvenil. Isso significa convidar o jovem a participar da construção da nova escola.

 

Mas, o espaço escolar é muito limitado para a aplicação de tanta energia requerida. É preciso que a construção da nova escola preveja a participação do jovem na transformação da comunidade e da sociedade em que vive. Junto com o jovem, é preciso derrubar os muros da escola e transformá-la em instrumento de desenvolvimento econômico, cultural, científico e tecnológico da comunidade que a abriga.

 

Esse é um desafio do tamanho da energia reprimida.

 

 

Sobre o Ensino Médio 9 de agosto de 2011

 

O Ensino Médio tem sido um dos temas mais importantes do blog Germinal – Educação e Trabalho. Isso pode ser constatado acessando a categoria Ensino Médio na coluna  direita do blog. Os últimos artigos que publicamos a esse respeito falam das novas Diretrizes Currículares para o Ensino Médio editadas pelo Conaselho Nacional de Educação (CNE). Também informam sobre o Resumo Executivo do Projeto Protótipos Curriculares para o Ensino Médio e para o Ensino Médio Integrado, publicado pela UNESCO.

Neste post apresentamos agumas entrevistas gravadas em vídeo pelo Instituto Unibanco  sobre o tema:

 

 

 

 

 

 

Gestão do conhecimento pessoal 4 de agosto de 2011

Filed under: Educação em vídeo,tecnologia educacional — José Antonio Küller @ 7:05 pm

Vídeo com Pierre Levy trata da questão do imenso fluxo de informação atual e como fazer a gestão do conhecimento pessoal. Vídeo importante para todos os que hoje lidam com a educação e a aprendizagem.

 

 
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