Germinal – Educação e Trabalho

Soluções criativas em Educação, Educação Profissional e Gestão do Conhecimento

Catar feijão para redigir uma biografia 27 de setembro de 2011

O poema Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto, foi usado em uma situação de aprendizagem em que o desafio era a redação de uma  biografia. A situação de aprendizagem, apresentada nesta página, está incluída em  uma sessão de aprendizagem da Oficina de Comunicação Oral e Escrita, Eixo I – Competências Básicas para o Trabalho,  dimensão Ser Pessoa,  do  Programa Jovem Aprendiz Rural.  O Programa foi totalmente desenvolvido pela Germinal Consultoria para o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) – Administração Regional do Estado de São Paulo, entre 2004 e 2006.

II. A Biografia do Futuro

Major Clanger, Sunset behind Astoria-Megler Bridge - Flickr

Relaxamento e Imaginação ativa

Providencie um fundo musical suave e alegre (As Quatro Estações de Vivaldi, por exemplo). Oriente um relaxamento pedindo aos participantes para se posicionarem de forma confortável em seus lugares, fecharem os olhos e se concentrarem na respiração, inspirando e expirando profundamente. Peça para relaxarem pés, pernas tronco, ombros, nuca, face, pálpebras e testa, sempre respirando profundamente.

Depois, inicie um processo de imaginação ativa. Informe-os que eles estão com vinte e cinco anos (sempre na terceira pessoa do singular). Peça para se olharem com vinte e cinco. O corpo, a pele (que melhorou muito), os cabelos (que estão com outro visual).

Siga falando que faz uma linda manhã e eles estão se preparando para ir ao trabalho. Olham-se no espelho e se dão conta que o tempo passou depressa. Parece que outro dia mesmo estavam terminando o Programa de Aprendizagem Rural.

Você se lembra do “Projeto de Vida” que elaborou nessa ocasião? De lá para cá muita coisa mudou na sua vida. E o melhor é que você soube se adequar às circunstâncias, às oportunidades que foram surgindo. Teve muitas surpresas também, nesse período. Algumas ótimas. Sua vida afetiva virou de cabeça para baixo e ficou intensa, rica. É… parece que não tem do que reclamar. Bem, acho melhor você acabar de se arrumar, senão vai se atrasar para o trabalho.

Faça uma pequena pausa deixando apenas o som do fundo musical. Depois, devagar, peça para os jovens abrirem os olhos e tomarem contato com o ambiente.

Biografia do futuro

Aproveitando o aquecimento da atividade anterior, informe que os aprendizes vão elaborar uma biografia do futuro. Distribua folhas de papel em branco. Peça para localizarem a orientação específica no Cartilha do Aprendiz e coloque-se à disposição para esclarecimentos.

Biografia do Futuro: Trabalho individual

Muita coisa já aconteceu na sua vida, desde que terminou o Programa de Aprendizagem Rural. Conte tudo o que aconteceu nesse período.Escreva sobre sua vida desde o curso até o seu momento atual, com a idade de 25 anos.Não se esqueça de abordar todos os aspectos da sua existência: profissional, educacional, familiar, afetivo, etc. Utilize a primeira pessoa do singular, escreva frases curtas.

Durante a redação, o silêncio deve ser total, com exceção da música de fundo que permanecerá audível até o encerramento da atividade.

Catar feijão

Depois de concluírem seus textos, solicite para os aprendizes localizarem, no Cartilha do Aprendiz, a poesia Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto e fazerem uma leitura silenciosa.

Texto de Apoio 8: Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

      Ora, nesse catar feijão, entra um risco:
o de entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quanto ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

Melo Neto, João Cabral. Obra Completa, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1999.

Extraia com os aprendizes as idéias da poesia, sobre a comparação entre catar feijão e escrever. A busca das palavras mais adequadas, a eliminação do que não encaixou bem, do que não deu um bom tom, o encontro da palavra que desperta o leitor… Fale sobre a importância do trabalho artesanal de construir um texto: o rascunho obrigatório, a leitura crítica – do próprio autor ou de outra pessoa – e as correções para fazer o texto definitivo, a consulta ao dicionário e à gramática.

A revisão, ou leitura crítica, feita por olhos estranhos, ajuda a detectar imprecisões e descobrir inúmeras possibilidades de melhorar o texto. Quando a revisão é feita pelo autor, convém aguardar um tempo para conseguir um distanciamento crítico. Isso ajuda a perceber mais os erros e as possibilidades de aprimorar o texto.

No trabalho nem sempre é possível ter esse tempo, então é interessante contar com a revisão de um colega.

Trabalho em duplas

Neste momento, os participantes devem escolher (e é importante que escolham realmente) seus pares, formando duplas, para dar prosseguimento ao trabalho de elaboração da biografia. Peça que eles localizem na Cartilha do Aprendiz a instrução para o trabalho em duplas. Coloque-se à disposição para esclarecimentos.

Biografia Futura: revisão compartilhada

a) Trocar as redações e fazer uma primeira leitura da biografia do colega silenciosamente, sem comentários ou interrupções.

b) Ler pela segunda vez, fazendo revisão. Assinalar, com um lápis, as partes que não entendeu completamente ou teve dificuldade inicial para entender e tudo o que considerar que precisa ser corrigido: coerência, organização dos parágrafos, sinais de pontuação, correção da grafia, acentuação gráfica e concordância.

c) Conversar sobre a biografia de cada um, uma de cada vez, cada um comunicando ao outro as partes assinaladas e explicando as razões.

d) Destrocar as redações, fazer individualmente a versão final da autobiografia futura.

Depois das duplas concluírem seus trabalhos, peça para que todos afixem suas biografias do futuro em lugar visível. Depois, faça a proposta de um pequeno intervalo.

Este post foi publicado originalmente no blog Aprendendo com poesia.

 

Aprendizagem Criativa – Focalização e simbolização 28 de novembro de 2008

 

Em artigo anterior apresentamos rapidamente a metodologia da Aprendizagem Criativa. Para acessá-la, clique aqui. Neste post vamos nos deter na primeira das etapas da metodologia:  a Focalização e Simbolização.

 

Focalização

O impulso criativo está presente em todo indivíduo. A criatividade é também instintiva e, assim, requerente de consumação. A criatividade também requer um objeto, um campo de aplicação que a atraia desde seu profundo mistério até o visível. Ela precisa ancorar-se no real. Requer focalização.

 

A focalização é, então, a fase inicial da aprendizagem criativa. Um determinado campo de aplicação necessita tornar-se muito significativo para o indivíduo ou grupo. Seja por uma necessidade premente, seja por um desafio auto ou heterocolocado, seja por um intenso desejo ou paixão, um determinado recorte da realidade, um campo, precisa assumir especial interesse para o sujeito da criação.

 

A não ser na criação de uma nova área de atividade humana, o que é raro, todo campo do criativo já é depósito de uma tradição, muitas vezes secular, resultado da experimentação e criação dos homens que nos antecederam. Pense, por exemplo, na pintura, na poesia ou mesmo na organização do trabalho como searas do processo criativo. O processo de focalização compreende, então, um domínio mais ou menos profundo da tradição, ou seja, a aprendizagem dos conhecimentos, habilidades e valores relacionados com o campo.

 

É importante repetir que o campo tem de ser especialmente atrativo para que a focalização se dê. Só assim, as produções culturais anteriores dentro do campo podem ser incorporadas ao trabalho do grupo como elementos de facilitação da aprendizagem criativa, como no espírito da seguinte fala de Stanislavski:

Nosso método nos serve porque somos russos, porque somos este determinado grupo de russos aqui. Aprendemos por experiências, mudanças, tomando qualquer conceito de realidade gasto e substituindo-o por alguma coisa nova, algo cada vez mais próximo da verdade. Vocês devem fazer o mesmo. Mas ao seu modo e não ao nosso. (…) Vocês estão aqui para observar e não para copiar. Os artistas têm de aprender a pensar e sentir por si mesmos e a descobrir novas formas. Nunca devem contentar-se com o que um outro já fez ( Constantin Stanislavski, A construção do personagem, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983, p. 17) .

Na aprendizagem criativa, a focalização pode ser feita por um conjunto de meios. No imediato, usa-se o recurso do aquecimento no início das sessões de aprendizagem como forma de focar a atenção sobre o que virá. Ao longo do processo, o desafio, o problema, a atividade lúdica e, especialmente, os projetos visam moblilizar o interesse dos participantes em relação ao campo em estudo.

 

O símbolo como veículo

Blue Star, 1927, Juan Miró

Blue Star, 1927, Joan Miró

Hillman afirma que Jung se serve, dentre outras, da concepção de “função transcendente formadora de símbolos” para se referir ao impulso criativo. A função transcendente é uma função que articula consciente e inconsciente e que resulta da incorporação da função inferior e implica a fusão das quatro funções conscientes (pensamento, sentimento, intuição e percepção), produzindo símbolos. Isso pede um melhor desenvolvimento, que não será feito aqui.

 

Para Jung, o símbolo “pressupõe sempre que a expressão escolhida constitui a melhor designação ou a melhor fórmula possível para um estado de coisas relativamente desconhecido, mas que se reconhece como existente ou como tal é reclamado”. Acrescenta: “A expressão que se supõe adequada para algo conhecido nunca passa de um mero signo, jamais sendo um símbolo. (…) Todo produto psíquico, embora no momento possa constituir a melhor expressão possível de uma ordem de coisas ignorada ou só relativamente conhecida, poderá ser concebido como símbolo na medida em que admitamos que a expressão pretende designar o que apenas se pressente ou não se conhece ainda de modo claro” (C. G. Jung, Tipos psicológicos, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 543-5 44 Ora, esta é situação do aprendiz de qualquer campo.

 

O símbolo é então a expressão de algo que já brotou da noite do desconhecimento e não foi ainda claramente percebido, pensado, intuído ou sentido. O perfeitamente e claramente conhecido não pode ser expresso simbolicamente. O símbolo é uma tentativa de apreensão de um saber que ainda, de alguma maneira, escapa. É prenhe de significados e não tem nenhum sentido preciso. É uma ponte entre o sabido e o desconhecido. O símbolo, no limite do campo de saber, é um veículo do novo. Na busca de conhecimento  do campo, é o motor da aprendizagem feita de forma criativa.

 

É interessante notar que, para Jung, o inapreensível veiculado pelo símbolo não é necessariamente desconhecido de todos. Assim, uma dada expressão pode ser um símbolo para um e um signo para outro.  Isso é para observar que professor e aluno, em relação ao campo, podem estar em posições distintas. O professor supostamente conhece o campo. Para ele, na abordagem do campo, o conceito é ou devia ser a linguagem natural. Para o aluno, no entanto, a aproximação simbólica é mais adequada.

 

Simbolização

Blue Star, 1927, Joan Miró

Blue Star, 1927, Joan Miró

No símbolo existem significados e sentidos ainda não claramente conhecidos. Utilizam-se símbolos para exprimir algo pressentido e não muito claro.

 

Derivam desse duplo entendimento, também, duas facetas de utilização do símbolo no processo de facilitação da criatividade individual e grupal e na resolução dos problemas, desafios e projetos utilizados na focalização que, como já vimos, é a primeira fase da aprendizagem criativa.

 

Na primeira forma de facilitação, o símbolo é utilizado como suporte de conteúdos culturais já disponíveis no campo focalizado. Isso significa identificar e selecionar e operar com símbolos relacionados com os conteúdos culturais já produzidos pelo campo de saber.

 

A arte, enquanto veiculadora de símbolos, pode ser uma fonte de busca de material simbólico relacionado a esses conteúdos. Como exemplo, pode-se apontar para as músicas, poesias e filmes utilizados como suporte ou contraponto para o desenvolvimento de muitas das amostras de trabalho apresentadas neste blog. Para consulta de um texto exemplar, ver: Uma Amostra de Sessão de Aprendizagem de Administração e Organização, clicando aqui.

 

Existe uma outra possibilidade de facilitação da criatividade grupal, usando o símbolo. Nessa vertente, o próprio grupo produz o símbolo de referência para o trabalho grupal. Face a um campo de conteúdo, o grupo simboliza. Elabora uma forma de expressão daquilo que representa o limite grupal de possibilidades de conhecimento do campo. Aquilo que, no máximo da intensificação do campo, é pressentido.

 

A arte, novamente, é um suporte adequado para esse processo de simbolização. Dramatizações, colagens, esculturas e outras produções artísticas dos alunos podem criar o referencial simbólico original que vai ser explorado posteriormente. O texto de Uma Amostra de Sessão de Aprendizagem de Administração e Organização é, outra vez, exemplar.  

 

Outras formas de suscitar expressões simbólicas, como a imaginação ativa ou a viagem imaginária, podem ser utilizadas. A viagem imaginária é uma forma de “sonhar acordado” induzida externamente (ver: Perls, Fritz. A abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1981). A imaginação ativa é uma técnica desenvolvida por Jung e consiste em acompanhar a produção do inconsciente, quando o consciente é intencionalmente rebaixado até um limiar próximo ao do sono. No filme “Sonhos”, o episódio “Corvos” é um exemplo da técnica.

 

No processo de simbolização toda forma de rebaixamento do controle consciente é coadjuvante. Nesse sentido, em nossa sociedade, formas metodológicas que intensifiquem a emoção e estimulem a intuição são favoráveis. Nos exemplos apresentados neste site, o uso permanente de formas simbólicas carregadas de sentimento e a abordagem histórica e estrutural recorrente têm por objetivo trabalhar com as duas funções conscientes menos privilegiadas: sentimento e intuição.

 

Concluindo, em troca de uma apresentação ou discussão em torno do que os participantes já conhecem do conteúdo do campo, eles são estimulados a expressar, através de símbolos, o que pressentem e o que ainda não sabem muito bem. A dinâmica do grupo, aí, já não se dá em torno do conhecido e sim em torno de um conhecimento em gestação. O resultado já não é um ruminar de conhecimento velho e, sim, um lançar-se na hipótese e na construção do conhecimento novo.

 

 

O texto anterior parte de um já publicado em Küller, José Antonio. Ritos de Passagem -Gerenciando Pessoas para a Qualidade. São Paulo, Editora SENAC, 1996.

 

 
%d blogueiros gostam disto: