Germinal – Educação e Trabalho

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Princípios sociotécnicos de organização do trabalho e a educação dos trabalhadores 5 de setembro de 2012

Dentre as propostas administrativas que procuram superar a crise da organização clássica do trabalho, a abordagem sociotécnica pode contribuir significativamente para a formulação de alternativas de organização do trabalho que o tornem (o trabalho) efetivamente educativo.

Praticamente todos os princípios do desenho sociotécnico da organização do trabalho guardam uma preocupação com a ampliação dos limites da participação e a ampliação da complexidade e variabilidade da atuação dos trabalhadores. Dentro de uma perspectiva estritamente educativa são muito importantes os princípios detalhados a seguir e todos eles podem ser incorporados como tarefas educativas da gerência.

1. Princípio da compatibilidade

O princípio prevê que o desenho organizacional deve criar o maior espaço de participação em todos os níveis e que deve ser efetuado com a participação de todos os níveis organizacionais. A oportunidade educativa prevista pelo princípio é similar à dos Círculos de Controle da Qualidade (CCQ): buscar competência e aprender sobre a organização global do trabalho a partir de um efetivo engajamento na tarefa de sua transformação. Transcende o CCQ na medida em que não propõe uma atividade restrita aos microprocessos sob a responsabilidade de um grupo operacional. O campo de ação e, portanto, do projeto de aprendizagem é a organização toda em seu momento e em seu devir.

Um caminho para a implantação do princípio consiste em começar em um local de trabalho específico e expandir gradativamente as oportunidades de concepção da organização do trabalho até envolver a empresa como um todo. Esse começar do pequeno implicaria transformar gradativamente cada locus de trabalho num espaço de definição compartilhada de objetivos e procedimentos. Tal espaço seria gradativamente ampliado até abranger a organização toda e seus fins.

2. Princípio da mínima especificação crítica

Ao possibilitar a variação nas tarefas e nos métodos de consecução dos objetivos, este princípio preserva espaços de permanente participação, experimentação e criação dentro do cotidiano de trabalho. É o oposto da proposta de fundo e das aplicações correntes das normas ISO e dos programas de qualidade centrados na busca de certificação ou premiação.

Além dos resultados, que devem estar compatíveis com as necessidades implícitas e explícitas dos clientes, só o mínimo indispensável à articulação horizontal (especialmente) e vertical da organização deve ser definido de forma mais permanente e normatizado. A ideia fundamental é liberar espaço à participação, à criação, à experimentação e à aprendizagem coletiva. Tal espaço envolveria o trabalho de criação, de desenvolvimento e de implantação dos métodos e dos processos de ação.

Uma possibilidade imediata de aplicação do princípio, articulada com o Movimento da Qualidade Total, seria a de especificar os resultados na relação interna e externa de clientela e normatizar genericamente as interfaces. Em passo concomitante ou posterior, colocar em questão as próprias interfaces (ver o princípio de localização dos limites).

3. Princípio da multifuncionalidade

Prever, já no desenho da organização do trabalho, a demanda e a facilitação da polivalência dos operadores. A ideia educativa fundamental é evitar os trabalhos rotineiros e repetitivos e seu séquito de desumanização. Ampliando os espaços onde a participação, a experimentação e a criação possam ser exercidas, a qualidade educativa da organização do trabalho dá um salto.

Essa ideia foi explorada pelo Movimento da Qualidade Total, em especial no que foi denominado toyotismo. Entretanto, o Movimento tem operado essencialmente por justaposição de tarefas fragmentadas a um cargo parcial ou pela atribuição de um conjunto de tarefas parciais a um grupo de trabalhadores. É interessante relembrar os avanços da Reengenharia, com a concepção de proprietário de processo e o “conceito de artesão” de Juran, como caminhos mais promissores.

A proposta fundamental, aqui, é recompor a complexidade e variabilidade do trabalho a cargo de cada pessoa, beirando sempre as fronteiras e as possibilidades, cada vez menos restritivas, abertas pela tecnologia emergente. O princípio seguinte pode ser um estágio na implantação da multifuncionalidade.

4. Princípio da localização dos limites

Os limites dos departamentos devem ser fixados de forma a possibilitar o máximo de troca de experiências e conhecimento entre os responsáveis por um processo completo. Isso pode facilitar o domínio pelos operadores do processo como um todo e, portanto, facilitar as alternativas de multifuncionalidade.

5. Princípio do trabalho adequado

O cargo deverá ser sempre estimulante e proporcionar oportunidade de desenvolvimento integral para seu ocupante. Para tanto, a Abordagem Sociotécnica estabelece as seis propriedades intrínsecas de um cargo bem desenhado: Variação e desafio, Aprendizagem contínua, Autonomia e julgamento, Reconhecimento e apoio, Contribuição social significativa e Futuro promissor.

A possibilidade de aprendizagem contínua é colocada, especificamente, como uma das propriedades de um cargo bem desenhado e a questão da formação permanente como imanente a uma abordagem prescritiva da organização do trabalho. Isso sem descartar os efeitos educativos das demais propriedades intrínsecas dos cargos e dos demais princípios do desenho sociotécnico.

6. Princípio do estado incompleto

Estabelece que o desenho organizacional não deve ser definitivo e que equipes multifuncionais, de múltiplos níveis e multidisciplinares, devem estar continuamente operando no repensar da organização do trabalho. A adoção desse princípio acarreta que os efeitos educativos dos demais fiquem em permanente estado de atualização e renovação.

7. Princípios do desenho sociotécnico e a educação dos trabalhadores

Esses princípios do desenho sociotécnico de organizações do trabalho, especialmente em suas decorrências para um projeto educativo, não são em geral incorporados pelo Movimento da Qualidade Total. Exceção: aspectos do princípio de multifuncionalidade dentro do Toyotismo e do princípio do estado incompleto, na vertente da melhoria contínua da qualidade.

Na transcendência do Movimento da Qualidade e para um projeto reeducativo do trabalho, a retomada dos princípios sociotécnicos parece promissora. Na vertente da organização do trabalho enquanto instância educativa per se, os princípios praticamente esgotam as possibilidades atuais de avanço e podem ser totalmente incorporados a uma proposta de organização educativa ou de organização que aprende.

Texto adaptado d original publicado em:  Küller, J. A. Ritos de Passagem: gerenciando pessoas para a qualidade. São Paulo, Editora Senac, 1996.

 

Aprender a aprender nas organizações 10 de novembro de 2011

Entendemos que o conhecimento e a competência são resultantes de processos educativos radicalmente distintos dos constituídos pela simples transmissão, recepção, registro e acumulação de dados ou informações. Conhecer ou ser competente decorre de uma relação viva, significativa e apaixonada do sujeito com o objeto de estudo, a disciplina, a arte ou técnica.

Ninguém ensina ninguém. Aprendemos todos em sociedade, envolvidos na busca da satisfação de desejos e da superação das necessidades, dos desafios e problemas que tornam plena de sentido, viva e intensa a nossa relação com um campo de conhecimento ou uma área de competência. Se aprender é envolver-se com ações de transformação em busca do desejável ou do necessário, aprender a aprender consiste em aprimorar as formas de vivenciar e atuar nesses processos de transformação.

Facilitar o aprender tanto das pessoas quanto das organizações requer o desenho de metodologias de construção do conhecimento e desenvolvimento de competências apropriadas. Elas devem ser baseadas na troca e no diálogo, em que a ação, a resolução de problemas e os projetos desenvolvidos em situações reais são os modos essenciais de aprender.

Da mesma forma, na direção da aprendizagem do aprender, tanto o modo individual quanto o coletivo de agir, de resolver problemas e de desenvolver projetos precisam ser constantemente objetos de reflexão, submetidos à crítica e aprimorados sistematicamente.

O trabalho com as organizações exige, no entanto, uma adequação na forma de estimular o aprender a aprender que dá uma especificidade à metodologia de desenvolvimento organizacional, quando comparada à de desenvolvimento pessoal. As organizações têm fins, modos e meios de fazer que transcendem e muitas vezes conflitam com os desejos e necessidades dos indivíduos que as constituem.

Se para aprender é fundamental o envolvimento do sujeito que aprende, a questão metodológica central na perspectiva do desenvolvimento organizacional é, então, aproximar, articular e integrar dinamicamente as aspirações e necessidades individuais com as coletivas. Essa é uma proposta de conjunção de orientações potencialmente opostas que exige uma postura criativa (Jung).

A visão de construção e funcionamento de “organizações de aprendizagem” e de “comunidades de aprendizagem” é um tipo de abordagem criativa. Nela, as pessoas e os grupos expandem continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam; surgem novos, elevados e dialéticos padrões de raciocínio; a aspiração coletiva é libertada e as pessoas aprendem continuamente a aprender individualmente e em grupo (Senge).

Essa construção pode ser feita em cinco amplos e complexos níveis de atuação: a qualificação profissional e as condições de trabalho; a orientação mercadológica; os processos de trabalho; a visão e a orientação estratégica; e, por fim, a inserção comunitária. Esses
níveis dão origem a cinco correspondentes focos de atuação: Qualidade Profissional, Orientação para o Cliente e Mercado, Excelência na Produção e na Prestação de Serviços, Organização de Aprendizagem e Comunidade de Aprendizagem.

Em textos posteriores, vamos tratar de cada um desses cinco focos de atuação.

 

Ritos de Passagem 31 de agosto de 2011

O artigo de Jerônimo Lima, que reproduzimos a seguir, também pode ser encontrado no ScribdO artigo é curto. Por isso, decidimos publicá-lo na íntegra.

O autor faz um uso muito interessante de conceitos que também utilizamos em nosso livro Ritos de Passagem – Gerenciando Pessoas para a Qualidade. Inclusive, o artigo cita esse livro como uma de suas referências principais.

 

RITOS DE PASSAGEM CORPORATIVA

 

Jerônimo Lima,

jeronimo@institutoamanha.com.br

No final de 1989, participei, nos EUA, de um treinamento com Stephen Covey sobre “liderança baseada em princípios”. Desde aquela época, a cada entrada de ano, renovo meu Plano Estratégico Pessoal, revendo os resultados que consegui, analisando minha coerência com os valores pessoais que decidi seguir e reavaliando meus fracassos. Este é o meu “rito de passagem“ para o ano novo.

Um rito designa deferentes atos ou comportamentos, individuais ou coletivos, que seguem regras destinadas a serem repetidas de acordo com um esquema previamente determinado. No latim ritus, o termo significa uma cerimônia religiosa – ou todo ato profano com significação social. Em um sentido mais restrito, “rito” diz respeito às diversas formas cerimoniais com que o homem tentou dominar poderes sobrenaturais ou ocultos para alcançar seus propósitos. O rito se distingue do costume por ser um tipo de ação não atrelada aos fatos empíricos. Por isso, a idéia de rito sempre nos traz um clima de mistério e de desafio.

Um rito de passagem é uma manifestação de expectativa de transformação que nos levará a uma realidade possivelmente melhor. O simbolismo dos ritos evoca metáforas úteis para essa idéia de transição, de passagem, de transformação de um estado para outro. Chama-se isto de “renovação”.

Eu percebo que os esforços implícitos no meu rito de passagem provocam em mim uma tensão – pelo intenso envolvimento que tenho com minha missão. A cada rito, primeiramente medesestabilizo ante meus fracassos. Mas depois reflito sobre eles para entender os motivos pelos quais não atingi meus objetivos. E então fico exultante quando descubro o que posso fazer no próximo ano para tornar minha existência ainda mais feliz.

Essa viagem em torno da qual os planos são revistos, e que visa à evolução naquilo que fazemos, é o que os administradores chamam hoje de “aprendizado”, importando uma expressão típica da Pedagogia.

Em seu livro “Ritos de Passagem“, José Antonio Kuller ensina: “nos mitos, o fim da viagem é, em última instância, a transformação do personagem que dela participa. No sentido simbólico, as etapas, provas e barreiras especiais são colocadas no caminho do viajante”. A forma de superação desses obstáculos configura ritos de passagem. E a purificação obtida durante a etapa impulsiona o viajante e o fortalece para a travessia. E a travessia, finalmente, remete a outra viagem.

O principal rito de passagem que caracteriza a transformação de uma empresa mediana em uma empresa excelente ocorre quando as pessoas que nela trabalham começam a partilhar os mesmos valores e métodos de fazer negócios; os mesmos padrões de comportamento são praticados em todos os níveis hierárquicos; e metas são alinhadas, mesmo em ambientes pluralistas, criando motivação e lealdade superiores. Assim, como receita de sucesso, percebe-se que é preciso ser inflexível em relação aos valores centrais da cultura corporativa. E ser flexível em relação à maioria das práticas no que diz respeito a outros valores.

Para que este rito de passagem se viabilize, é preciso estimular a adaptabilidade da cultura em relação às mudanças que se verificam no macroambiente. Isso só é possível com uma liderança forte, mas não autoritária ou repressora sobre as iniciativas das pessoas que desejam realmente contribuir.

Em uma empresa, a cultura é perpetuada por vários ritos e rituais que, repletos de simbolismo e emoção, irmanam as pessoas em torno dos ideais que são comuns a elas. Por isso, quando bem conduzidos, esses eventos se transformam em poderosos catalisadores de energia e da motivação dos envolvidos – trazendo à forca coletiva um poder revitalizador.

 

Nas antigas comunidades indígenas, alguns ritos, como o da celebração da colheita e o da passagem dos jovens da adolescência para a idade adulta, eram cultuados e transmitidos de geração para geração. No ambiente empresarial, os ritos mais importantes são os de ingresso à empresa e de iniciação nela, os ritos de hierarquia e poder, os de celebrações e festas e os de saída, demissão e aposentadoria.

Na tentativa de revalorizar a cultura, todo evento ritualístico deve ser balizado pelo enfoque da gestão da cultura, de modo a reforçá-la. Quando os valores culturais são trabalhados na comunidade interna, a organização demonstra “aprendizado”.

Neste início de ano, se você quer começar bem, buscando tornar sua empresa uma “organização que aprende”, identifique um elenco de eventos que combinem com os novos valores culturais que a comunidade pretende instaurar. Em um aspecto mais amplo, sirva de instrumento para a solidificação de uma cultura de alto desempenho. E parta para a definição daquelas práticas de gestão que vão modelar o trabalho das pessoas – para que queiram se tornar as melhores do mundo naquilo que fazem.

EM BUSCA DO SABER PROFUNDO

Para aprofundar seus conceitos nos temas abordados neste artigo, sugiro uma pesquisa àsseguintes fontes de referência:

Ritos de Passagem, de José Antonio Küller, ed. Senac.

Passagens: Crises Previsíveis da Vida Adulta, de Gail Sheehy, ed. Francisco Alves.

Novas Passagens, de Gail Sheehy, ed. Rocco.

Ritos e Rituais Contemporâneos, de Martine Segalen, ed. FGV.

Gestão da Cultura Corporativa, de Sílvio Luiz Johann, ed. Saraiva.

A Cultura Corporativa e o Desempenho Empresarial, de John Kotter e James Heskett, ed. Makron.

 

 
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