Germinal – Educação e Trabalho

Soluções criativas em Educação, Educação Profissional e Gestão do Conhecimento

Educadores do Brasil – Antonio de Sampaio Doria 23 de setembro de 2010

Texto de Luís Mauro Martino, também disponível no site Navegando na História da Educação Brasileira.


Responsável pela reforma do ensino público paulista, educador é pouco conhecido mesmo do público especializado.

A luta pela democracia que o levou ao exílio foi sua principal preocupação ao iniciar, em 1920, a primeira – dentre várias que se seguiriam – tentativa de reforma do ensino público no Brasil. No começo da República a educação pública era um tema secundário, a ponto de estar vinculada ao Ministério dos Correios e Telégrafos. Além disso, cabia aos estados a organização dos sistemas de ensino em todos os níveis. Só que o governo federal podia fazer o mesmo, criando assim o campo para conflitos futuros.

Convidado pelo governo do Estado para coordenar a reforma do ensino paulista, Sampaio Dória teve a oportunidade de aplicar suas idéias educacionais. Sistematizado na lei nº 1750, de 8 de dezembro de 1920, a ação trouxe várias novidades e procedimentos ainda hoje vigentes.

Sua principal preocupação, dentro ou fora da reforma realizada, era a maneira de ensinar. Segundo o professor Lourenço Filho, uma dos principais interesses de Sampaio Doria era “tornar mais completo o aprendizado da arte de ensinar”. O próprio educador afirmou, no I Congresso Interestadual de Ensino, em 1922, que “o capítulo máximo da pedagogia era a didática, a metodologia do ensino, a prática pedagógica”.

“Governo democrático e ignorância do povo são duas coisas que se chocam, se repulsam, se destroem… Como um povo pode se organizar se não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar?” Sampaio Dória, in Questões de Ensino (1921)

Esse modelo, porém, teve um ponto positivo: deixando aos estados sua própria organização, ao contrário do que aconteceu no 2o Império, o governo permitiu que novas idéias fossem aplicadas e novas experiências fossem feitas.

A primeira delas foi a de Sampaio Dória. Apesar de ter se formado advogado, ele estava muito mais interessado em filosofia e problemas sociais do que em qualquer ramo do direito.

O trabalho começou com um recenseamento educacional, o primeiro realizado no Brasil. A criação das delegacias de ensino, existentes até hoje, também foi obra sua. Criou também, em consonância com suas preocupações, as “Escolas de Alfabetização” – com o objetivo de erradicar o que ele considerava o mais grave problema educacional do país. Unificou as antigas Escolas Normais, que formavam professores, e sistematizou a prática pedagógica. Chegou mesmo a instituir uma Faculdade de Educação para a formação de professores, mas o projeto não saiu do papel.

Influenciado pelas teorias da chamada “Escola Nova”, Sampaio Dória procurava o equilíbrio na relação pedagógica. Sem considerar o aluno como um ser passivo, era contra, porém, deixa-lo à própria sorte. O professor não deve centralizar o ensino na própria pessoa, mas também não pode, sob pretexto de “deixar os alunos descobrirem tudo”, esquecer de dar aula. Com um pouco de sorte, explica, um aluno levaria séculos para descobrir tudo o que deveria saber.

Para o educador, a aprendizagem só acontece quando o conhecimento racional e as informações dos sentidos trabalham juntos. Há certas coisas – calor e frio, por exemplo – que podem ser apreendidos pelos sentidos. Outros conceitos, porém, como idéias de liberdade ou de imortalidade, só podem ser adquiridos pelo raciocínio. Na escola, ambos devem ser cultivados pelo educador. A demonstração do professor deve acompanhar a dedução do aluno, sem que uma se sobreponha à outra.

“Na cooperação do professor e do estudante há uma justa medida de esforços recíprocos. Ao educador cabe a direção; ao educando, a realização”, escreveu Sampaio Dória. Ao contrário de outros pedagogos influenciados pela Escola Nova, ele coloca os deveres do professor ao lado dos deveres do aluno. Caberia ao educador sugerir atividades, criar ambiente de estudo e dirigir o esforço dos educandos. Os alunos, por sua vez, devem obedecer às sugestões e exercer atividades próprias – “quando alguém aprende a dançar, não adianta nada o mestre dançar por ele”, escreveu, em seu livro Educação, de 1933.

Na igualdade de tarefas entre professores e alunos, há um elemento comum: o conhecimento deve sempre partir da realidade para a teoria. É a partir da observação, realizada pelo aluno, que todo o processo de conhecimento tem início. “O professor só é eficiente se for compreendido. Só é eficiente o professor que fizer seus alunos observarem o que ensina e se escolher, para a observação, realidades que permitam análises espontâneas”, completa Dória, destacando a necessidade do exemplo explicativo.

E quando a aula trata de algo que não pode ser observado – uma aula de História, por exemplo? “No ensino daquilo que não puder estar materialmente presente ao observador, ou que não puder ser representado em forma perceptível pelos sentidos, cabe à palavra evocar vestígios do que se tenha observado, sugerindo, a partir daí, conhecimentos novos”, responde.

O professor deve utilizar palavras e conceitos que o aluno já conhece para desenvolver novas idéias. Não adianta simplesmente falar; ele deve encontrar, dentro do que o aluno já sabe, as palavras necessárias para a formulação das informações.

A liberdade de aprender não deve ser confundida com o caos pedagógico. A escola deve estimular o aluno, mas não deixar que ele faça o que quer. Afinal, justifica, se o aluno vai viver em sociedade, deve estar acostumado desde cedo a não fazer tudo o que quer.

A educação moral, nesse particular, é uma das maiores preocupações de Sampaio Dória, a ponto de ter dedicado, em 1928, todo um livro sobre o assunto.

A moral, para o educador, está ligada ao conhecimento. A disciplina é necessária, não apenas na escola, mas em toda a vida social. À medida que a compreensão da criança aumenta, pais e professores devem passar da ordem à advertência. Quando as crianças são pequenas, não adianta adverti-las, é preciso instituir sanções imediatas. Conforme a criança vai crescendo, as ordens devem ser substituídas por advertências, deixando a escolha ao livre arbítrio da criança.

“Querer que, na escola, as crianças façam o que lhes venha à cabeça, aprendam o que lhe der na telha, seria querer a anarquia, o caos e a ineficiência educativa. Não há vida social sem disciplina”.

Quem foi Sampaio Doria

Nascido em Belo Monte, Alagoas, em 1923, Antonio de Sampaio Doria veio para São Paulo ainda criança, onde concluiu o curso primário e fez os estudos secundários. Matriculou-se em 1904 na faculdade de Direito, formando-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1908. Nessa época, iniciou sua atividade no magistério, como professor no ginásio Macedo Soares e na Escola de Comércio Álvares Penteado. A advocacia não o atrai, e Sampaio Dória vai para o Rio de Janeiro, onde se torna redator de O Imparcial. O jornalismo também não o agradou. De volta a São Paulo, em 1914, tornou-se professor na Escola Normal da Praça da República. Em 1920, foi nomeado diretor geral da instrução pública paulista, cargo que ocupou até 1926, quando, via concurso, tornou-se catedrático de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de São Paulo. Exonerado por Vargas em 1938, partiu para o exílio. Faleceu em 1964.

Encontrar informações sobre Sampaio Doria é como montar um quebra-cabeça. Apesar de sua importância no ensino brasileiro, ele é praticamente desconhecido. Enquanto Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que realizaram reformas educacionais semelhantes, são ainda hoje lembrados e estudados, o reformador do ensino público de São Paulo está esquecido. É citado de passagem em livros sobre a História da Educação Brasileira, como o de Nelson e Claudino Pilleti.

Seus livros estão esgotados há anos. Mesmo nas melhores bibliotecas de São Paulo é difícil encontrar alguma obra dele. No acervo da Faculdade de Educação da USP, por exemplo, apenas três de seus mais de dez livros estão disponíveis – um deles em cópia xerox. Também não existem pesquisas sobre seu trabalho como educador. O mais próximo disso é uma tese de Ana Clara Nery, defendida em 1999, que trata da Sociedade de Educação, fundada por Sampaio Dória, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Oscar Freire.

Uma primeira sistematização de seu pensamento é o livro Educação, disponível na Faculdade de Educação da USP

 

Como Controlar a Situação Pedagógica 7 de maio de 2010

 

  

 

 

 

 

 

 

 

                                  

                                  COMO CONTROLAR A SITUAÇÃO PEDAGÓGICA?

 

O monitor, que faz sua demonstração diante de um grupo, verifica as reproduções do modelo, explica e passa para a demonstração seguinte;…o conferencista, que faz sua exposição, responde às perguntas e vai embora;… o animador que, durante uma sessão, faz uma experiência e limita-se às condições materiais dessa experiência;… são outros tantos formadores que controlam perfeitamente suas palavras e seus gestos, mas que não “vêem” a situação psicossocial global e, por conseguinte, não têm o menor controle sobre ela.

É possível que nada venha a transtornar a encenação preparada. Mas é também possível que surjam fenômenos que eles não compreenderão.

Antes de mais nada, o melhor meio é compreender de ponta a ponta o que ocorre no encontro pedagógico, na sessão, no nível da vivência grupal (hic et nunc) e, para isso, é preciso estar atento (e informado) a respeito dos fenômenos constantes que decorrem das leis da indução, dos climas pedagógicos, da dinâmica de grupos e da sociometria.

Como já dedicamos um volume à dinâmica de grupos e à sociometria (cf. La dynamique des groupes), trataremos aqui, de preferência, de outros aspectos,

 A INDUÇÃO EM SITUAÇÕES PEDAGÓGICAS

N.B. – A palavra indução é aqui empregada no sentido psicológico de  determinação-provocação de um tipo de resposta ou de reação.

Indução devida ao dispositivo espacial e arquitetural. Aqui mesmo, nesta sessão, eu faço uma exposição sobre a situação pedagógica. Vocês estão diante de mim numa sala de aula. Ao entrar, vocês ocuparam os lugares de ouvintes e eu ocupei o estrado do conferencista. Esta disposição das mesas e do estrado, com nossos respectivos nomes bem visíveis, induzia por si mesma a situação pedagógica tradicional, a do Magister desenvolvendo suas idéias diante de um auditório supostamente atento. Induzia a situação de informação-espetáculo.

Desde o início, pelo simples fato de cedermos quase que automaticamente à sugestão do dispositivo, o comportamento de vocês e o meu já estavam determinados. Suas aspirações tomavam forma, meu papel já estava traçado de antemão.

Já tivemos ocasião de ver e avaliar as conseqüências do sistema.

Esse fenômeno começa a ser suficientemente conhecido, de modo que os organizadores evitam a topografia da classe tradicional e colocam os participantes em círculo, mantendo, ao mesmo tempo, o princípio da exposição do mestre. Eu próprio já vi dispositivos em retângulo, em torno do qual deviam colocar-se os ouvintes, o que lhes causava torcicolo. Mas a disposição em círculo é indutora; a em retângulo também; assim como a forma geral da sala e, em volta dela, a arquitetura, seja qual for…

Da mesma forma que o dispositivo de anfiteatro universitário induz o curso professoral e tende a ser um obstáculo às interações, assim como o dispositivo favorece as interações e é um obstáculo ao curso professoral, ao passo que o dispositivo retangular favorece o diálogo dos subgrupos vizinhos e impede as verdadeiras interações. Assim, prever um dispositivo em U, com o conferencista na curva do U, é menos favorável que os arcos concêntricos, caso se queira fazer uma exposição; e este dispositivo em arcos concêntricos destrói toda a eficácia de uma discussão, no decorrer da qual o animador deseje suscitar interações.

É preciso, portanto, ajustar, pelo menos, as intenções do formador e as induções do dispositivo, não hesitando em mudar o dispositivo espacial conforme os diversos momentos de um seminário (ou mudar de sala, cada uma delas tendo uma disposição e uma arquitetura “funcional”, isto é, adaptada à situação pedagógica intencionalmente procurada).

Por outro lado, o dispositivo, tal qual é preparado a priori, implica a previsão de um número de participantes. Sabemos que o número, por sua vez, é indutor de fenômenos psicossociais e inibidores de outros fenômenos; por exemplo, um grupo de mais de oito ou dez pessoas não pode discutir eficazmente (com a participação de todos) num tempo limitado de uma hora e trinta ou duas horas (isto até mesmo quando coordenado por um método adaptado).

N.B. – Refletir sobre as induções topográficas é uma primeira e essencial medida a ser tomada pelo pedagogo. Da mesma forma que um grupo de trabalho em discussão só pode funcionar se o dispositivo for circular, se o número for reduzido e se não houver tensões internas, assim também uma comissão oficial de 25 pessoas, colocadas em torno de mesas formando um retângulo alongado, não pode absolutamente entabular uma discussão criadora, ou mesmo simplesmente eficaz (utilizando as interações de todos os participantes), seja qual for o tempo de que dispõe e sejam quais forem as competências de seus membros. Os hábitos sociais levam então a recorrer à estruturação autoritária (graças à qual seis ou sete participantes têm um status social diferente para participar, enquanto os demais formam o público) e a procedimentos rígidos de “decisão de grupo” (o voto ponto por ponto, por exemplo).

Indução devida à estruturação latente em função dos status sociais. A sessão ou seminário de Formação de adultos compreende geralmente pessoas de status sociais diversos. Ocorre mesmo, com freqüência que estejam misturadas pessoas com status bastante desiguais, pertencendo ao mesmo organismo social.

O formador deve observar e compreender os fenômenos de indução dos comportamentos causados por essa estruturação não aparente. Embora sejam negadas pela intenção igualitária do promotor, as diferenças de status (conhecidas ou reconhecidas pelos participantes) pesam profundamente na dinâmica do grupo.

O direito de falar (ou de ser de opinião contrária), o tempo para falar, a ordem cronológica das intervenções, as concordâncias e discordâncias (alianças e conflitos) são induzidos por aqueles fatores estatutários e podem até mesmo surgir “acertos de contas” pessoais, sob a capa de discussão de temas do seminário, ou a pretexto das experiências propostas.

Da mesma ordem, são as divisões em subgrupos de opinião, subgrupos cuja solidariedade é referente a fontes totalmente estranhas ao conteúdo da sessão. Em certos casos-limites, graves dificuldades surgem na sessão sem que o formador possa compreendê-las, se não estiver a par das filiações, dos status, dos conflitos de status, ou dos conflitos dos grupos de referência fora da reunião.

Enfim, são classificadas no mesmo parágrafo as induções de condutas provenientes da maneira como é encarado o animador, ou o formador, pelos líderes estatutários do grupo. Lutas pela conquista da liderança ou da influência sobre o grupo em reunião são empreendidas por aqueles a que não suportam o animador (o modo como ele concebe seu papel, ou simplesmente seu status aqui-e-agora). Esses oponentes estão sempre julgando as intenções do animador, o que pode provocar um constrangimento coletivo e um mal-estar por parte dele, enquanto não perceber o que está acontecendo.

Indução dos conteúdos verbais e não-verbais. O conteúdo verbal é indutor tanto das flutuações de interesse, como das reações à sua significação. Esta choca tanto mais os participantes, quanto mais o emissor for considerado estranho ao grupo de referência dos participantes e for desconsiderado pela opinião grupal (embora possa suscitar o surgimento de facções).

Ainda mais indutoras são as comunicações não-verbais ou a para-linguagem que acompanha permanentemente o conteúdo verbal de uma comunicação. O formador deve, portanto, estar atento às induções produzidas pelo seu estilo, seu tom de voz, suas mímicas, à forma de suas respostas, suas atitudes espontâneas em relação a cada um dos participantes. E estes apreendem tudo de maneira não-refletida, com uma significação sócio-afetiva à qual eles reagem a qualquer pretexto.

Indução proveniente dos métodos utilizados. Todo método pedagógico é indutor, pois implica uma definição e uma distribuição de papéis, uma manipulação de motivações, uma forma de pressão exercida sobre os estagiários. Diversas tensões são induzidas por métodos ativos e descarregam-se com maior ou menor rapidez e com maior ou menor facilidade. O animador pode receber, depois de uma experiência demonstrativa ou de um exercício de simulação, descargas de agressividade que ele deve compreender, devido à situação na qual ele colocou o grupo.

Com efeito, há, em certos momentos, uma solidariedade latente do grupo face o monitor, quando este tenta forçar a tomada de consciência de fatos pedagógicos experienciais. Se o monitor põe em dificuldade um membro do grupo, ou simplesmente usa de ironia num determinado momento, ele desencadeia comportamentos ofensivos-defensivos do grupo contra ele. Aliás, já apresentamos diversos exemplos destas reações (cf. La dynamique des groupes, p. 38, exercício10, … Opiniões e Mudança de Opinião, exercício 9).

Mas estes fenômenos de indução, devido aos métodos pedagógicos, já fazem parte da psicologia dos “climas” pedagógicos (cf. abaixo).

. Indução de comportamento por outros aspectos da situação global vivida, em sessões de formação de adultos:

  – a própria idéias de Formação é carregada de significações e isto de maneira não-homogênea, conforme os indivíduos. Embora, oficialmente, todos declarem (pelo menos no início) que se alegram por estarem ali, pouco a pouco, começamos a perceber que eles experimentam o seu ser-em-formação de maneira diversa, indutora de reações subjetivas e deslocadas(*)[1]. Uns vão vivê-la como uma imposição; outros, como uma humilhação; outros ainda, como uma ocasião perigosa de julgamento ou de nota, por parte de um instrutor aliado secretamente à direção; outros, como férias inesperadas, etc…;

   – a imagem do organismo promotor, aquele em cujo quadro se faz a Formação, sua “imagem promocional”, por assim dizer, reflete-se, para os participantes, na imagem da sessão atual e provoca-lhes impressões não-refletidas ou suscita atitudes latentes, exprimindo-se por sinais discretos de boa ou má vontade, de moral elevado ou baixo, de esperança ou de resignação, de confiança ou de desconfiança a priori;

   – o ambiente sócio-histórico e a concepção que os estagiários fazem dele individualmente. Os grupos de relacionamento ou de referência, dos quais fazem parte os estagiários fora da sessão atual, levam a comportamentos a ou a esboços de comportamentos, no decorrer da sessão. Esses grupos intervêm como grupos de pressão. O clima histórico ambiental, as correntes ideológicas em moda, a situação sócio-econômica do país, etc…carregam de significação a vivência atual dos indivíduos e do grupo em situação pedagógica;

   – as condições de vida das pessoas: a existência fora da sessão, as facilidades ou as dificuldades dessa existência, as disponibilidades de dinheiro (o fato de a Formação ser gratuita, ser paga por eles ou a eles ser oferecida), as restrições que ela supõe, etc…induzem fatores positivos ou negativos do “moral”.

                                       Extraído do livro “A Formação de Adultos”

                                     Roger Mucchielli – Ed. Martins Fontes, p. 142 – 147.


[1](*) Isto é, sujeitas ao mecanismo de “deslocamento”, ou ainda revelando-se por reações que decorrem ou são simples pretextos de fatos aparentemente estranhos ou exteriores, em relação à questão direta do ser-em-formação.

 

Imobilismo do Ensino Médio e Sistema de Formação de Professores 11 de maio de 2009

Portrait of my art teacher - Peter Powditch

 

 

Em post anterior, Ensino Médio, um problema insolúvel – propusemo-nos a identificar as quatro causas fundamentais que fazem com que o Ensino Médio não mude. Escolhemos quatro grandes pilares de manutenção do status quo do Ensino Médio: o currículo (dividido em disciplinas), o sistema de formação de professores (que consagra a divisão disciplinar do currículo), a facilidade de operação administrativa (com o curículo permitindo um funcionamento taylorista /fordista da adminsitração escolar) e  o pensamento pedagógico dominante (que é, em essência, conservador porque interessado na permanência).

 

Em  outro texto, O Currículo Imutável do Ensino Médio, falamos da primeira causa. Neste post vamos tratar da segunda: o sistema de formação de professores.

 

No texto anterior, talvez com um excesso de crítica , afirmamos que a nova LDBEN (8384/86) e os instrumentos normativos complementares, não avançaram ou avançaram pouco no que se refere à indiscutível necessidade de mudanças no currículo do Ensino Médio.

 

No aspecto legal, em relação à formação dos professores, não podemos dizer o mesmo. A mudança prevista pela LDBEN começa com a definição do papel dos professores. O artigo 13, prescreve que os “docentes incumbir-se-ão de:

 

1. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

2. elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

3. zelar pela aprendizagem dos alunos;

4. estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

5. ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

6. colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.”

 

É de se destacar, como inovação, a perspectiva de gestão participativa da escola implícita na co-responsabilidade pela elaboração da proposta pedagógica. A transposição do foco no ensinar para o zelo pela aprendizagem, também merece destaque. Por fim, atribui à docência responsabilidades que transcendem os muros da escola, tornando-a agente da integração escola-comunidade.

 

Para atender às exigências desse novo papel, a LDBEN dedica dois artigos, os de número 62 e 63, ao sistema de formação de professores, especialmente focando os tipos e modalidades de cursos de formação docente e a sua localização institucional.  Nos dois artigos, cria duas figuras novas.

 

No campo institucional, cria os Institutos Superiores de Educação, destinados especificamente à formação de professores, em curso de licenciatura plena ou no Curso Normal Superior. Tal curso (Normal Superior) é a segunda criação da lei, esta já no campo específico da formação docente.

 

Acreditamos que as duas criações são tentativas de resposta para dois problemas fundamentais do então e ainda atual sistema de formação de professores.

 

O Curso Normal Superior vinha suprir a necessidade de uma formação específica de professores para a Educação Infantil e para as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. A formação de professores para essa etapa fudamental da educação básica tinha sido desestabilizada desde a lei 5.692/71, com sua tentativa de universalização da formação técnica de nível médio. O fracasso da unversalização do ensino técnico levou consigo, de roldão, o antigo Curso Normal, de nível médio, que, antes do advento da lei 5692/71, formava professores para as quatro primeiras séries do então ensino de primeiro grau.

 

Aliado à destruição do curso normal e das instituições que o abrigavam, o curso de Pedagogia, repaginado pela Reforma Universitária de 1968, passou a capacitar, como uma de suas multiplas habilitações, professores para atuarem junto às crianças em fase de aprendizagem das primeiras letras, visões de mundo e operações matemáticas (Resolução CFE nº 2/1969). Trocou-se um curso de nível médio com tradição de qualidade e foco específico por um curso superior sem esta tradição e sem este foco. Tudo indica que a mudança não foi para melhor. 

 

As mudanças na formação dos professores das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental foram concomitantes à universalização da escola pública e à privatização do ensino superior. Por isso, é difícil separar os vários efeitos: o do aumento da complexidade, representada pelas características de uma clientela oriunda de um universo cultural distinto do da escola; o da formação docente mais apressada e menos técnica, decorrente do currículo do novo curso de Pedagogia; e o da perda de qualidade, resultante da pouca exigência feita aos multiplicados alunos de Pedagogia por instituições privadas em acelerado processo de expansão.

 

O fato é que a nova sistemática de fomação não capacitou professores para enfrentar os desafios da universalização do Ensino Fundamental. A antiga formação, ainda hoje existente, perdeu prestígio, foi relegada a um plano secundário e entrou em decadência. Base para o sucesso de toda a educação posterior, a qualidade do ensino nas quatro primeiras séries declinou e muito.

 

O artigo 63 da LDBEN que cria o Instituto Superior de Educação e a legislação complementar, que se seguiu, podem ter tido a intenção de remover ou atenuar os efeitos de outra criação da Reforma Universitária de 1968: a divisão departamental das universidades. A divisão da universidade em departamentos (escolas, faculdades,…) resulta na divisão da responsabilidade pela licenciatura em dois departamentos distintos. Um deles é o de educação. É, em geral, o menos prestigiado dos dois.

 

Resulta da divisão departamental da licenciatura, a manutenção, sem alterações sensíveis, do modelo 3+1 nos últimos 50 anos (pelo menos). Decorre daí a valorização do bacharelado em detrimento da licenciatura, a valorização da formação específica em detrimento da formação docente. A divisão departamental da licenciatura cria a divisão e a justaposição de duas capacitações distintas: a formação específica (bacharelado) e a formação docente.

 

É usual que na licenciatura se aprenda a ensinar de uma forma distinta da que se ensina no bacharelado e mesmo daquela que se pratica, muitas vezes e contraditoriamente, nas matérias específicas para a formação docente. Em geral, a forma de ensinar que fica é a que se pratica em toda a vida escolar do futuro professor: a aula expositiva.

 

Ao definir as diretrizes curriculares para a formação de professores o Parecer CNE/CP nº 9/2001, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena; já afirmava:

 

Entre as inúmeras dificuldades encontradas para essa implementação destaca-se o preparo inadequado dos professores cuja formação de modo geral, manteve predominantemente um formato tradicional, que não contempla muitas das características consideradas, na atualidade, como inerentes à atividade docente,

Isso exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que ficou caracterizada como modelo “3+1”.

 

Ao lado de propor uma organização curicular própria da licenciatura e para todas as licenciaturas, o Parecer reforçava a necessidade de implementação do Instituto Superior de Educação, no mínimo como instância de coordenação entre os departamentos envolvidos com a licenciatura, na tarefa de preparação dos professores para atuarem nas útimas séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

 

Era previsível que, sem uma instância de coordenação ou mudança organizacional, seria difícil a existência de cursos focados exclusiva ou predominantemente na capacitação de professores. Sem ela, a parte tipicamente pedagógica da licenciatura continuaria como apêndice do bacharelado.

 

O parecer abria uma oportunidade de mudança que facilitaria o desmonte de outra das pernas da estabilidade do ensino médio: o currículo fragmentado em disciplinas. Com a capacitação didática sendo o núcleo da preparação inicial dos docentes (e não a formação técnica), seria mais simples a adoção de organizações curriculares mais flexíveis e criativas, especialmente nas útimas séries do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Facilitaria a operação de um currículo por áreas, como prevê as Direrizes Curriculares do Ensino Médio e como se volta a discutir atualmente (abril/maio de 2009).

 

Jeremy Pantoja - Character Animator.

Jeremy Pantoja - Character Animator.

Não vamos tratar aqui, por ser longa a discussão e porque vamos fazê-lo em outro post, dos motivos que culminaram, no PARECER CNE/CP Nº 5/2006, nas seguintes tomadas de posição:

  • a Formação de Professores de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental será desenvolvida em curso de Pedagogia ou em Curso Normal Superior;
  • as instituições de educação superior vinculadas ao Sistema Federal de Ensino poderão decidir por qualquer das alternativas indicadas acima, independentemente do ato autorizatório, (…)
  • (…)
  • os cursos de Licenciatura destinados à Formação de Professores para os anos finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação Profissional de nível médio serão organizados em habilitações especializadas por componente curricular ou abrangentes por campo de conhecimento, conforme indicado nas Diretrizes Curriculares pertinentes;

 

Os grifos, que são nossos, mostram que o Parecer só veio referendar o que já vinha acontecendo, na prática. Ao permitir a escolha entre o novo e o antigo, facilitou a permanência do velho. Na prática, as grandes universidades e instituições de ensino superior já consolidadas nada tinham avançado em relação à situação anterior. O Parecer  CNE/CP 5/2006 permite que, no sistema de formação de professores, nada mude e tudo continue como antes.

 

Arquitetura escolar e indução pedagógica 15 de abril de 2009

 

Uma escola do ano 2000, imaginada em 1910. Muda a tecnologia, mas não a visão de educação.

Para iniciar a minha participação na blogagem coletiva Arquitetura e Educação, proposta pelo meu amigo e professor Jarbas Novelino Barato, em Boteco Escola, vasculhei os livros sobre educação que tenho reunido nos últimos 25 anos. Neles, o tema não é tratado. Há uma única exceção. Trata-se do livro A Formação de Adultos, de Roger Mucchielli (São Paulo, Martins Fontes, 1981). O livro dedica menos de duas páginas ao tema (p.143-144).

 

Embora viciada, a amostra é exemplar de como o assunto tem sido pouco explorado. Reforça também a importância da blogagem coletiva proposta por Jarbas e a necessidade de se colocar as relações entre arquitetura e educação na agenda das discussões educacionais. Penso que essa discussão deveria estar presente, no mínimo, no interior do atual movimento de expansão da rede de escolas dedicadas ao ensino técnico e tecnológico (clique aqui).

 

Como a pesquisa em minha biblioteca resultou pobre, não tenho como construir um texto a partir das contribuições dela decorrentes. Assim, publico sem modificações o pouco que encontrei. O texto, extraído do livro de Mucchielli, é postado a seguir. As ilustrações foram incluídas por mim.

 

 

A Indução em Situações Pedagógicas

 

N. B. – A palavra indução é aqui empregada no sentido psicológico de determinação-provocação de um tipo de resposta ou de reação.

 

  • Indução devida ao dispositivo espacial e arquitetural. Aqui mesmo, nesta sessão, eu faço uma exposição sobre a situação pedagógica. Vocês estão diante de mim numa sala de aula. Ao entrar, vocês ocuparam os lugares de ouvintes e eu ocupei o estrado de conferencista. Esta disposição das mesas e do estrado, com nossos respectivos nomes bem visíveis, induzia por si mesma a situação pedagógica tradicional, a do Magister desenvolvendo suas idéias diante de um auditório supostamente atento. Induzia a situação de informação-espetáculo.

 

Desde o início, pelo simples fato de cedermos quase que automaticamente à sugestão do dispositivo, o comportamento de vocês e o meu já estavam determinados. Suas aspirações tomavam forma, meu papel já estava traçado de antemão.

 

Já tivemos ocasião de ver e avaliar as conseqüências do sistema.

 

Esse fenômeno começa a ser suficientemente conhecido, de modo que os organizadores evitam a topografia da classe tradicional e colocam os participantes em círculo, mantendo, ao mesmo tempo, o princípio da exposição do mestre. Eu próprio já vi dispositivos em retângulo, em torno do qual deviam colocar-se os ouvintes, o que lhes causava torcicolo. Mas a disposição em círculo é indutora; a em retângulo também; assim como a forma geral da sala e, em volta dela, a arquitetura, seja qual for…

 

Da mesma forma que o dispositivo de anfiteatro universitário induz o curso professoral e tende a ser obstáculo às interações, assim o dispositivo em círculo favorece as interações e é um obstáculo ao curso professoral, ao passo que o dispositivo retangular favorece o diálogo dos subgrupos vizinhos e impede as verdadeiras interações. Assim, prever um dispositivo em U, com o conferencista na curva do U, é menos favorável que os arcos concêntricos, caso se queira fazer uma exposição; e este dispositivo em arcos concêntricos destrói toda a eficácia de uma discussão, no decorrer da qual o animador deseje suscitar interações.

 

É preciso, portanto, ajustar, pelo menos, as intenções do formador e as induções do dispositivo, não hesitando em mudar o dispositivo espacial conforme os diversos momentos de um seminário (ou mudar de sala, cada uma delas tendo uma disposição e uma arquitetura “funcional”, isto é, adaptada à situação pedagógica intencionalmente procurada).

 

Por outro lado, o dispositivo, tal qual é preparado a priori, implica a previsão de um número de participantes. Sabemos que o número, por sua vez, é indutor de fenômenos psicossociais e inibidores de outros fenômenos; por exemplo, um grupo de mais de oito ou dez pessoas não pode discutir eficazmente (com a participação de todos) num tempo limitado de uma hora e trinta ou duas horas (isto até mesmo quando coordenado por um método adaptado).

 

N. B. – Refletir sobre as induções topográficas é uma primeira e essencial medida a ser tomada pelo pedagogo. Da mesma forma que um grupo de trabalho em discussão só pode funcionar se o dispositivo for circular, se o número for reduzido e se não houver tensões internas, assim também uma comissão oficial de 25 pessoas, colocadas em torno de mesas formando um retângulo alongado, não pode absolutamente entabular uma discussão criadora, ou mesmo simplesmente eficaz (utilizando as interações de todos os participantes), seja qual for o tempo de que dispõe e sejam quais forem as competências de seus membros. Os hábitos sociais levam então a recorrer à estruturação autoritária (graças à qual seis ou sete participantes têm um status social diferente para participar, enquanto os demais formam o público) e a procedimentos rígidos de “decisão de grupo” (o voto ponto por ponto, por exemplo).

 

Ensino Médio, um problema insolúvel? 27 de fevereiro de 2009

 

Revisitando as páginas de “A Construção do Pensamento e da Linguagem”, de L. S. Vigotski (São Paulo, Editora Martins Fontes, 2001), três marcantes parágrafos chamaram-me a atenção. São dois parágrafos curtos e outro um pouco mais longo. A ver:

 

O pensador - Auguste Rodin

O pensador - Auguste Rodin

1. “(…) onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com extremo atraso” (p. 171).

 

2. “A formação de conceitos surge sempre no processo de solução de algum problema que se coloca para o pensamento do adolescente. Só como resultado da solução desse problema surge o conceito” (p. 237).

 

3. Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril. O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança mas, na prática, esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado. No fundo, esse método de ensino de conceitos é a falha principal do rejeitado método puramente escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conhecimento vivo pela apreensão de esquemas verbais mortos e vazios” (p. 247).

 

Vigotski diz que o método puramente escolástico de ensino é rejeitado. Não no Brasil. Aqui é a prática pedagógica corrente, principalmente na escola pública e no Ensino Médio. Dos dois primeiros parágrafos, podemos concluir que estamos impedindo a nossa juventude de desenvolver todas as suas potencialidades e de atingir ou chegar muito atrasada às formas superiores de pensamento. Estamos emburrecendo a nossa juventude.

 

A crítica e a constatação não são novas. O que surprende é a tremenda força de resistência à mudança de nossa escola. Convivo com os problemas da educação brasileira há quarenta anos. Repassando esse tempo todo, resta a sensação de que nada mudou.

 

A invencível resistência à mudança de nossa escola, me fez lembrar um poema de João Cabral de Melo Neto: “O Número Quatro”. Ele diz:

 

O número quatro feito coisa

ou a coisa pelo quatro quadrada,

seja espaço, quadrúpede, mesa,

está racional em suas patas;

está plantada, à margem e acima

de tudo o que tentar abalá-la,

imóvel ao vento, terremotos,

no mar maré ou no mar ressaca.

Só o tempo que ama o ímpar instável

pode contra essa coisa ao passá-la:

mas a roda, criatura do tempo,

é uma coisa em quatro, desgastada.


João Cabral de Melo Neto, O Número Quatro. In: João Cabral, Museu de Tudo. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1976, p.54.

Inspirado no poema, me propus a identificar as quatro causas fundamentais que fazem com que o Ensino Médio esteja “plantado à margem e acima de tudo o que tentar abalá-lo”. Depois de talvez ainda insuficiente reflexão, escolhi quatro grandes pilares de manutenção de nosso “quadrado” Ensino Médio: o currículo (dividido em disciplinas), o sistema de formação de professores, a facilidade de operação administrativa,  o pensamento pedagógico dominante.

 

Esses quatro pilares estão intimamente relacionados. Eles se reforçam mutuamente criando o espaço, a mesa, o quadrúpede do nosso Ensino Médio. Eles não atendem às necessidades de desenvolvimento intelectual e afetivo de nossos adolescentes. Eles atendem a uma racionalidade dominante. Em uma sequência de artigos posteriores vamos abordar cada um desses pilares e as interrelações entre eles. Se fôlego sobrar, vamos discutir como desgastá-los, rumo à roda da mudança e da melhoria contínua.

 

Paulo Freire: Veja pisa na bola de novo 6 de fevereiro de 2009

 

Em 1968, pela primeira vez, Paulo Freire e a Revista Veja se encontraram. A revista Veja foi criada em 1968 e, de lá para cá, tem aprofundado a sua opção pelos mais ricos. Em 1968, Paulo Freire vivia, exilado, no Chile. Logo depois, foi obrigado a abandonar também o Chile, novamente fugindo de uma revolução de extrema direita. Por aí, já se percebe que o primeiro encontro histórico foi, ao mesmo tempo, o início do distanciamento. 

 

O período de residência no Chile e o ano de 1968 foram muito produtivos na vida de Freire. Reproduzimos, a seguir,  parte de sua biografia, publicada no site do Centro Paulo Freire:

 

“No Chile escreveu seu primeiro livro publicado comercialmente: Educação como prática da liberdade, “uma revisão ampliada” de Educação e atualidade brasileira, a tese com que concorreu à cátedra de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas Artes da Universidade do Recife. Os originais em português da, Pedagogia do Oprimido, foram igualmente escritos no Chile, entre 1967 e 1868 e seriam publicados pela primeira vez em 1970: em inglês, nos Estados Unidos da América (Pedagogy of the oppresed), Nova York, Herder and Herder, e em português, com importante prefácio de Ernani Maria Fiori, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra (Cf. Gadotti, M., Organizador, 1996, p.262).

 

No Chile, foram ainda escritos alguns dos livros de Paulo Freire: Educação e conscientização: extensionsimo rural (em colaboração com Ernani Maria Fiori, José Luiz Fiori e Raul Veloso Farias), CIDOC, Cuernavaca, México, 1968; Contibución al proceso de conscientización del hombre en América Latina, Montevidéu, 1968; Acción cultural para la lidertad, ICIRA, Santiago, 1968; Extensión o comunicación? La conscientización en el medio rural, ICIRA, Santiago, 1969 (Cf. Gadotti, M., Organizador, 1996, p.260-62). Esses livros davam forma a seu discurso no Recife, inclusive ao discurso-base do “método Paulo Freire” e anunciavam sua obra prima: a Pedagogia do Oprimido”.

 

Recentemente, Paulo Freire e Veja voltaram a se encontrar. A iniciativa foi da revista que publicou um texto lamentável. Na edição de 20 de agosto de 2008, a revista Veja publicou a reportagem “O que estão ensinando a ele?” de autoria de Monica Weinberg e Camila Pereira. No meio da matéria, encontra-se a seguinte “pérola”:

 

“Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado.”

 

Como não podia deixar de ser, o texto provocou a reação de educadores brasileiros. Das reações, selecionamos a da educadora Ana Maria de Araújo Freire:

“Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE — e um dos maiores de toda a história da humanidade –, quero registrar minha mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas , camufladamente, age em nome do reacionarismo desta.

 

Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.

 

A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista.

 

Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente para se sentirem e serem parceiras do “filósofo” e aceitas pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.

 

Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta política de distribuição da renda se baseou – que demonstrou ao mundo que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela. Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato humanista no nefasto período da Ditadura Militar.

 

Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu “Norte” e “Bíblia”, esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião.

 

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!

 

São Paulo, 11 de setembro de 2008
Ana Maria Araújo Freire”.

 

Observação final (minha): A capa da edição de Pedagogia da Autonomia, que ilustra o texto, comemora 450.000 exemplares vendidos. Paulo Freire Vive!

 

Este artigo foi originalmente publicado em Arquivo68.

 

Anísio Teixeira: a poesia da ação 21 de novembro de 2008

 

Iniciamos com um texto sobre  Anísio Teixeira, uma série de posts dedicados a homenagear os educadores brasileiros. Sobre Anísio, selecionamos uma pequena parte de um texto que gostaríamos de ter escrito: quase tudo pela forma e muito pelo conteúdo. Do texto – Anísio Teixeira: a poesia da ação – selecionamos a parte final. O texto completo pode ser lido, clicando aqui.

 

Na parte final do texto, ouvem-se ecos Deleuzianos. Nesse final, mais nele, o texto é dito com arte. Na sua forma, reafirma o que o texto inteiro diz sobre a importância da arte na educação. Assim, entra numa linha de convergência com a nossa proposta de Aprendizagem Criativa ou com o nosso texto já publicado: Como Trabalhar Metodologias na Educação Profissional.

 

 

 

 

Segmento final do texto – Anísio Teixeira: A poesia em ação

Por  CLARICE NUNES

 

O Anísio que está, nesse momento, entre nós não pretende cicatrizar feridas, mas reabri-las quando um falso conforto vem mascarar a nossa dor. Este estar entre revela o trânsito em que todos estamos, viajantes do mundo, ambíguos e incompletos, enfrentando a ausência de projetos, a carência de utopias, a constante necessidade de relativização da tarefa pedagógica e do exercício do humano. Este estar entre costura e descostura os fragmentos que vivemos e somos.

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Anísio já não é mais árvore, como pretendia, quando escreveu a Monteiro Lobato falando da secura feliz de apenas existir, sem mais nada desejar (Vianna & Fraiz,1986, p. 87). Anísio é rizoma. Espalha-se numa simultaneidade de rostos inventados a cada decisão que o acolhe. Ao mesmo tempo, escapa. Sempre: escolanovista, tecnicista, americanista, liberal, conservador, pioneiro, visionário, romântico, iluminista, comunista, reacionário.

Escapa Anísio, que és somente miragem, fragrância, estremecimento!

Volta Anísio! Volta: na poesia que reaparece como esperança após cada fracasso; na exigência de uma fraternidade que não se debruce no vazio, mas eleja como alvo nossas relações concretas no cotidiano; no resgate da memória e da história da nossa sociedade e da nossa educação; na generosa militância da cultura e no exercício digno da política; no diálogo da ciência com a arte; em projetos de educação que integrem a cultura e o trabalho.Volta na força que nos move na defesa de que a educação não é privilégio!

A obra de Anísio Teixeira é a sua própria vida. Para além dos elogios e das celebrações, o convívio com ela me ensina que, ao procurar desvendá-la, acabamos falando um pouco de nós mesmos. Corremos o risco de sucumbir à presunção e à arrogância, reduzindo e engessando o processo que vai da intimidade do sujeito à construção da ordem social. É necessário um laborioso investimento para nos libertarmos da couraça acadêmica que nós próprios construímos, tornando a existência sem brilho. O saber ilumina, mas a vida é tato.

Anísio Teixeira está entre nós! Não exatamente nas minhas palavras, ou nas nossas palavras, mas em algum ponto secreto e ignorado das nossas próprias consciências, na vibração sutil que nos move. Provavelmente no silêncio fecundo que em nós habita e que irradia dos nossos corações de educadores.

 

CLARICE NUNES doutorou-se em Ciências Humanas/Educação pela PUC-Rio. Professora titular em História da Educação, na Faculdade de Educação da UFF (aposentada). Atualmente vincula-se como pesquisadora ao Programa de Pós-Graduação em Educação dessa Universidade e é professora no Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá.

 

Aprendizagem criativa 18 de novembro de 2008

 

 

Nas múltiplas amostras de trabalho veiculadas no blog Germinal – Educação e Trabalho e, especialmente, nos posts relacionados com o Programa de Desenvolvimento de Chefias e Supervisores: (4) Supervisores – Administração de Conflitos e Negociação; (3)Supervisão e Criatividade de Grupo; (2) O uso metodológico da arte na educação profissional e corporativa e (1) Desenvolvimento de Supervisores: o uso pedagógico da arte; temos procurado delinear os contornos de uma proposta educativa, que acreditamos original. Na falta de uma denominação melhor, vamos chamá-la de Aprendizagem Criativa.

 

A Aprendizagem Criativa, na forma como é posta em prática nos exemplos citados, aproveita-se da abordagem da Escola Nova, do Construtivismo e da chamada Pedagogia das Competências. Da Escola Nova, valoriza-se a atividade e o interesse do aprendiz e não a do professor ou instrutor. Do Construtivismo assume-se que o saber acumulado pela humanidade tem que ser reapropriado  e resignificado por cada um e que todo conhecimento é uma construção pessoal e única. Da Pedagogia das Competências assume-se que competência só é desenvolvida  ao se enfrentar os problemas e os desafios que a requeiram.

 

Essas referências, laços históricos com as abordagens contemporâneas, não esgotam as da Aprendizagem Criativa. É preciso adicionar o tempero  e a liga da criatividade. Ora, é sabido que a criatividade é um traço humano fundamental. No entanto, a educação que sempre praticamos carece de criatividade. Se a repetição, o apego à permanência, não fosse uma outra característica humana fundamental, poderíamos dizer que nossa educação escolar padece de falta de humanidade. Entendendo, no humano, uma dialética entre permanência e transformação, só podemos afirmar que a nossa educação tem sido unilateral.

 

Quiçá por necessidade, comodidade, amarras estruturais ou imposição histórica de modos de produção, a escola sempre esteve do lado da permanência. Como conseqüência,  a criatividade é uma flor rara e estranha nos espaços educativos formais. Na minha formação como educador e na minha prática educativa inicial, nunca a criatividade foi considerada como foco ou como centro de uma proposta educativa.

 

A transmissão do conhecimento; a mudança de comportamentos;  a pedagogia crítica dos conteúdos; as teorias crítico-reprodutivistas; a apropriação do conhecimento humano acumulado; o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes, a operacionalização dos objetivos educacionais; mais avançadamente: a conscientização, a formação política, a educação  para a cidadania e a liberdade estavam alternativamente no centro das preocupações e das discussões, fossem elas contra ou a favor. Nunca se falava em criatividade. Eu mesmo nunca tinha criado nada.

 

Para fazer um  intervalo na leitura, o vídeo postado a seguir também fala disso de uma maneira leve e divertida.

 

 

Um dia, para a construção do Programa de Desenvolvimento de Chefias e Supervisores, comecei estudando o perfil do supervisor que era necessário para o momento e para o futuro. Para enfrentar uma crise estrutural e a transformação social e organizacional respondentes, ficou claro que a critividade  seria cada vez mais necessária. Ser criativo é fundamental  para participar, sendo sujeito, das mudanças cada vez mais rápidas e abrangentes da sociedade e das organizações de trabalho.

O Lingüista, por Fernando Gerheim

 

Para atender ao diagnóstico, precisava criar um programa de treinamento e desenvolvimento que tivesse a critividade como centro. Fui à busca de referências. Até que um dia deparei-me com um texto que classificava a Psicanálise Junguiana como uma psicologia da criatividade. Ora, uma psicologia da criatividade, como a de Jung, poderia auxiliar na busca de um método e no desenho de um programa centrado na critividade.

 

De fato, o método Junguiano, embora esteja voltado para a psicoterapia e para a criatividade individual (entendida como a criação de si mesmo), forneceu muitas pistas.

 

Carl Gustav Jung entendia a doença mental como resultante de uma obstrução do desenvolvimento em direção a uma atualização de si mesmo. Entendia também haver um relação compensatória entre consciente e inconsciente. Obstruído o desenvolvimento consciente, o inconsciente começa a criar problemas na operação cotidiana da vida e enviar mensagens ao consciente sobre sua situação de estagnação e sobre as formas de superação (criatividade psicológica).

 

Uma via régia para o envio de tais mensagens é o sonho. O veículo de transmissão é o símbolo. O símbolo é um conhecimento consciente em gestação. Diferentemente do conceito que é tão mais operacional quanto mais preciso, o símbolo foca um sentido e abre uma multiplicidade de significados. É necessário desvendá-lo.

 

A partir do sonho, veiculador de símbolos, Jung estimula a análise através de duas formas metodológicas alternativas ou complementares: a amplificação objetiva e a amplificação subjetiva.

 

Na amplificação objetiva, a análise é efetuada pela busca das inter-relações do símbolo em questão com a tradição simbólica da humanidade. Este específico motivo simbólico já surgiu na história da humanidade? Que interpretações foram construídas em seu redor? A partir daí, busca-se identificar o sentido do sonho e o significado do símbolo naquele determinado processo de desenvolvimento individual.

 

Robert Rauschenberg, Charlene, 1954
Robert Rauschenberg, Charlene, 1954

 

A segunda forma procura efetuar uma amplificação subjetiva do significado do símbolo. O paciente dança, pinta, elabora poemas, interpreta teatralmente, esculpe em torno do motivo simbólico, de forma a ramificar os seus significados. Ao esforço de compreensão o inconsciente responde com outros motivos simbólicos. Estabele-se um diálogo consciente/inconsciente orientado para a resolução do conflito que suscitou o estancamento do crescimento.

 

Em um processo não linear, mas em circulação, o significado do símbolo, como em um romance policial, é descoberto. A disposição psicológica muda. O crescimento, gradativamente desimpedido, retorna. A crise vai sendo superada. Uma nova realidade psicológica emerge.

 

Em próximo post, mostraremos como, a partir da psicologia da criatividade de Jung, construímos uma metodologia e desenhamos o Programa.

 

O texto anterior parte de um já publicado em Küller, José Antonio. Ritos de Passagem -Gerenciando Pessoas para a Qualidade. São Paulo, Editora SENAC, 1996.

 

 
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