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Educadores do Brasil – Antonio de Sampaio Doria 23 de setembro de 2010

Texto de Luís Mauro Martino, também disponível no site Navegando na História da Educação Brasileira.


Responsável pela reforma do ensino público paulista, educador é pouco conhecido mesmo do público especializado.

A luta pela democracia que o levou ao exílio foi sua principal preocupação ao iniciar, em 1920, a primeira – dentre várias que se seguiriam – tentativa de reforma do ensino público no Brasil. No começo da República a educação pública era um tema secundário, a ponto de estar vinculada ao Ministério dos Correios e Telégrafos. Além disso, cabia aos estados a organização dos sistemas de ensino em todos os níveis. Só que o governo federal podia fazer o mesmo, criando assim o campo para conflitos futuros.

Convidado pelo governo do Estado para coordenar a reforma do ensino paulista, Sampaio Dória teve a oportunidade de aplicar suas idéias educacionais. Sistematizado na lei nº 1750, de 8 de dezembro de 1920, a ação trouxe várias novidades e procedimentos ainda hoje vigentes.

Sua principal preocupação, dentro ou fora da reforma realizada, era a maneira de ensinar. Segundo o professor Lourenço Filho, uma dos principais interesses de Sampaio Doria era “tornar mais completo o aprendizado da arte de ensinar”. O próprio educador afirmou, no I Congresso Interestadual de Ensino, em 1922, que “o capítulo máximo da pedagogia era a didática, a metodologia do ensino, a prática pedagógica”.

“Governo democrático e ignorância do povo são duas coisas que se chocam, se repulsam, se destroem… Como um povo pode se organizar se não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar?” Sampaio Dória, in Questões de Ensino (1921)

Esse modelo, porém, teve um ponto positivo: deixando aos estados sua própria organização, ao contrário do que aconteceu no 2o Império, o governo permitiu que novas idéias fossem aplicadas e novas experiências fossem feitas.

A primeira delas foi a de Sampaio Dória. Apesar de ter se formado advogado, ele estava muito mais interessado em filosofia e problemas sociais do que em qualquer ramo do direito.

O trabalho começou com um recenseamento educacional, o primeiro realizado no Brasil. A criação das delegacias de ensino, existentes até hoje, também foi obra sua. Criou também, em consonância com suas preocupações, as “Escolas de Alfabetização” – com o objetivo de erradicar o que ele considerava o mais grave problema educacional do país. Unificou as antigas Escolas Normais, que formavam professores, e sistematizou a prática pedagógica. Chegou mesmo a instituir uma Faculdade de Educação para a formação de professores, mas o projeto não saiu do papel.

Influenciado pelas teorias da chamada “Escola Nova”, Sampaio Dória procurava o equilíbrio na relação pedagógica. Sem considerar o aluno como um ser passivo, era contra, porém, deixa-lo à própria sorte. O professor não deve centralizar o ensino na própria pessoa, mas também não pode, sob pretexto de “deixar os alunos descobrirem tudo”, esquecer de dar aula. Com um pouco de sorte, explica, um aluno levaria séculos para descobrir tudo o que deveria saber.

Para o educador, a aprendizagem só acontece quando o conhecimento racional e as informações dos sentidos trabalham juntos. Há certas coisas – calor e frio, por exemplo – que podem ser apreendidos pelos sentidos. Outros conceitos, porém, como idéias de liberdade ou de imortalidade, só podem ser adquiridos pelo raciocínio. Na escola, ambos devem ser cultivados pelo educador. A demonstração do professor deve acompanhar a dedução do aluno, sem que uma se sobreponha à outra.

“Na cooperação do professor e do estudante há uma justa medida de esforços recíprocos. Ao educador cabe a direção; ao educando, a realização”, escreveu Sampaio Dória. Ao contrário de outros pedagogos influenciados pela Escola Nova, ele coloca os deveres do professor ao lado dos deveres do aluno. Caberia ao educador sugerir atividades, criar ambiente de estudo e dirigir o esforço dos educandos. Os alunos, por sua vez, devem obedecer às sugestões e exercer atividades próprias – “quando alguém aprende a dançar, não adianta nada o mestre dançar por ele”, escreveu, em seu livro Educação, de 1933.

Na igualdade de tarefas entre professores e alunos, há um elemento comum: o conhecimento deve sempre partir da realidade para a teoria. É a partir da observação, realizada pelo aluno, que todo o processo de conhecimento tem início. “O professor só é eficiente se for compreendido. Só é eficiente o professor que fizer seus alunos observarem o que ensina e se escolher, para a observação, realidades que permitam análises espontâneas”, completa Dória, destacando a necessidade do exemplo explicativo.

E quando a aula trata de algo que não pode ser observado – uma aula de História, por exemplo? “No ensino daquilo que não puder estar materialmente presente ao observador, ou que não puder ser representado em forma perceptível pelos sentidos, cabe à palavra evocar vestígios do que se tenha observado, sugerindo, a partir daí, conhecimentos novos”, responde.

O professor deve utilizar palavras e conceitos que o aluno já conhece para desenvolver novas idéias. Não adianta simplesmente falar; ele deve encontrar, dentro do que o aluno já sabe, as palavras necessárias para a formulação das informações.

A liberdade de aprender não deve ser confundida com o caos pedagógico. A escola deve estimular o aluno, mas não deixar que ele faça o que quer. Afinal, justifica, se o aluno vai viver em sociedade, deve estar acostumado desde cedo a não fazer tudo o que quer.

A educação moral, nesse particular, é uma das maiores preocupações de Sampaio Dória, a ponto de ter dedicado, em 1928, todo um livro sobre o assunto.

A moral, para o educador, está ligada ao conhecimento. A disciplina é necessária, não apenas na escola, mas em toda a vida social. À medida que a compreensão da criança aumenta, pais e professores devem passar da ordem à advertência. Quando as crianças são pequenas, não adianta adverti-las, é preciso instituir sanções imediatas. Conforme a criança vai crescendo, as ordens devem ser substituídas por advertências, deixando a escolha ao livre arbítrio da criança.

“Querer que, na escola, as crianças façam o que lhes venha à cabeça, aprendam o que lhe der na telha, seria querer a anarquia, o caos e a ineficiência educativa. Não há vida social sem disciplina”.

Quem foi Sampaio Doria

Nascido em Belo Monte, Alagoas, em 1923, Antonio de Sampaio Doria veio para São Paulo ainda criança, onde concluiu o curso primário e fez os estudos secundários. Matriculou-se em 1904 na faculdade de Direito, formando-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1908. Nessa época, iniciou sua atividade no magistério, como professor no ginásio Macedo Soares e na Escola de Comércio Álvares Penteado. A advocacia não o atrai, e Sampaio Dória vai para o Rio de Janeiro, onde se torna redator de O Imparcial. O jornalismo também não o agradou. De volta a São Paulo, em 1914, tornou-se professor na Escola Normal da Praça da República. Em 1920, foi nomeado diretor geral da instrução pública paulista, cargo que ocupou até 1926, quando, via concurso, tornou-se catedrático de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de São Paulo. Exonerado por Vargas em 1938, partiu para o exílio. Faleceu em 1964.

Encontrar informações sobre Sampaio Doria é como montar um quebra-cabeça. Apesar de sua importância no ensino brasileiro, ele é praticamente desconhecido. Enquanto Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que realizaram reformas educacionais semelhantes, são ainda hoje lembrados e estudados, o reformador do ensino público de São Paulo está esquecido. É citado de passagem em livros sobre a História da Educação Brasileira, como o de Nelson e Claudino Pilleti.

Seus livros estão esgotados há anos. Mesmo nas melhores bibliotecas de São Paulo é difícil encontrar alguma obra dele. No acervo da Faculdade de Educação da USP, por exemplo, apenas três de seus mais de dez livros estão disponíveis – um deles em cópia xerox. Também não existem pesquisas sobre seu trabalho como educador. O mais próximo disso é uma tese de Ana Clara Nery, defendida em 1999, que trata da Sociedade de Educação, fundada por Sampaio Dória, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Oscar Freire.

Uma primeira sistematização de seu pensamento é o livro Educação, disponível na Faculdade de Educação da USP

 

Educadores do Brasil – Paschoal Lemme 1 de dezembro de 2009

O texto a seguir foi extraído do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, arquivo Paschoal Lemme.

Paschoal Lemme, 1978

Paschoal Lemme nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 12 de novembro de 1904 e faleceu na mesma cidade em 14 de janeiro de 1997. Filho de Antônio Lemme e de D. Maria do Nascimento Paes, ambos brasileiros naturalizados. Casou-se em 1927 com D. Carolina de Barros e Vasconcelos, professora normalista, sua companheira por mais de meio século. O casal teve seis filhos.

Paschoal aprendeu a ler e a escrever com a mãe que usava a velha cartilha de Thomaz Galhardo. Fez o primário em escolas públicas do bairro do Méier. Na última delas, depois denominada Escola Profissional Visconde de Cairu, aproximou-se do Diretor, professor Teófilo Moreira da Costa que revolucionou os métodos de ensino e a disciplina. Esse professor exerceu forte influência no espírito de Paschoal, levando-o a optar pela profissão de educador. Em 1919, ingressou na escola normal, diplomando-se em 1923. No ano seguinte, foi nomeado professor adjunto do município, indo trabalhar em escola da zona rural carioca. Simultaneamente, a partir de 1925, após obter os certificados dos exames preparatórios no Colégio Pedro II, foi aprovado no vestibular da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, matriculando-se no Curso de Engenharia Civil que freqüentou até a 3ª série.

Em 1926, ingressou na Associação Brasileira de Educação, fundada em 1924, nas salas dessa Escola, por professores de seu corpo docente como Heitor Lira, Francisco Venâncio Filho, Mário de Britto e Edgar Sussekind de Mendonça, aos quais se ligou, desfrutando de sua convivência. A convite do Professor Teófilo, começou a ensinar Matemática Elementar na Escola Visconde de Cairu. Em junho de 1928, passou a integrar a equipe de Fernando de Azevedo que empreendia grande reforma do ensino no Distrito Federal, no cargo de assistente da Subdiretoria Técnica, dirigida por Jonatas Serrano, acumulando mais tarde com a função de Oficial de Gabinete e assumindo gradativamente responsabilidades maiores. Ao mesmo tempo, lecionava Matemática e era vice-diretor da Escola de Comércio Amaro Cavalcanti.

Fundou em 1931 o Instituto Brasileiro de Educação, visando à experimentação pedagógica e à aplicação de novos métodos de ensino. Participa das atividades da Associação Brasileira de Educação (ABE) integrando seu Conselho Diretor. Foi um dos principais articuladores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que seria publicado em 1932, bem como das Conferências Nacionais de Educação promovidas pela ABE, tendo sido relator de várias delas. Ainda em 1931, retorna à Diretoria de Instrução, depois Secretaria de Educação, incorporando-se à equipe de Anísio Teixeira que implementava um programa de grandes transformações educacionais no Distrito Federal. Em 1932, foi efetivado como professor de escolas técnicas secundárias do município do Rio de Janeiro. Lecionou História e Filosofia da Educação na Escola Normal de Niterói e no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Trabalhou como inspetor de ensino de 1933 a 1937.

Assumiu em 27 de janeiro de 1936 a Superintendência de Educação de Adultos do Distrito Federal, permanecendo no cargo até 14 de fevereiro de 1936, menos de um mês, quando foi preso sob a acusação de ministrar curso de orientação marxista para operários da União Trabalhista. Ficou na prisão durante um ano e quatro meses, junto com outros intelectuais, por suas idéias políticas, no ambiente das perseguições após a Intentona Comunista. Em 1938, foi aprovado em concurso para técnico de educação, indo integrar o quadro de profissionais do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, sob a direção de Lourenço Filho, onde chefiou as seções de “Documentação e Intercâmbio” e de “Inquéritos e Pesquisas”. Em 1939 participou dos Cursos “Critical Problem in Secundary Education”, promovido pela Universidade da Pensylvania no Rio de Janeiro e “Public School Administration and Social Interpretate”, na Universidade de Michigan. Esteve também na União Soviética em viagem de observação do sistema educacional.

Cabe ressaltar que, nos idos de 1933 e 1934, Paschoal Lemme já havia feito opção clara pelas teses fundamentais da Filosofia Marxista, sobretudo em seus aspectos humanísticos, contra a exploração do homem pelo homem, tendo sido, a rigor, o primeiro educador marxista brasileiro.

Seu pensamento pedagógico é marcadamente progressista, tendo sido defensor do ensino público universal, gratuito e obrigatório, como responsabilidade básica do Estado. Sua tese central é a de que não existe educação democrática e não ser numa sociedade democrática.

Foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Nacional de Mérito Educativo (1993) e com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal Fluminense (1995) assim como pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 

 
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