Germinal – Educação e Trabalho

Soluções criativas em Educação, Educação Profissional e Gestão do Conhecimento

Tempos modernos 10 de julho de 2009

 

Este é o segundo post de uma série denominada Educação em Vídeo. A série apresenta vídeos que podem ser usados em situações de aprendizagem na empresa ou na escola.  A forma de utilizar o vídeo e, sempre que possível, exemplos dessa utilização são incluídos na série.

 

O vídeo que postamos hoje contém as cenas iniciais do Filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin.

 

 

 

 

A seqüência inicial do filme Tempos Modernos é a mais interessante para uso em uma discussão sobre organização do trabalho, especialmente sobre a organização clássica do trabalho. Os cenários da primeira sequência do filme fazem parte de um tipo de fábrica cujas características básicas, hoje comuns, são ampliadas e exageradas para obtenção de efeito tragicômico.

 

Nas primeiras cenas, numa sala isolada, o presidente (o gerente), por meio de um sistema de som e vídeo, tem controle total de todas as dependências da fábrica. Pelo sistema aciona outro personagem, um técnico, operando um servomecanismo que controla automaticamente a fábrica e regula a velocidade de uma esteira, onde operários, entre eles Carlitos, executam um conjunto de gestos operatórios.

 

Os gestos são extremamente simples e repetitivos. A esteira que passa em frente aos operários define a ação necessária de cada um e sua velocidade regula o ritmo dos movimentos. Em torno dos operários, supervisores controlam o ritmo e a adequação das tarefas. Eliminam as circunstâncias externas que possam atrapalhar o trabalho. Cuidam das “relações humanas” no trabalho (cena do supervisor, interferindo na briga de Carlitos com seu companheiro de bancada). Substituem, eventualmente, um operador… O dedo indicador, apontando em direção ao operador ou à tarefa, sinalizando uma ordem ou uma ameaça, é o gesto reiterado do supervisor.

 

Carlitos sintetiza a figura do operador. Aperta, incessantemente, parafusos que passam em velocidade na esteira. Em certo momento é substituído pelo supervisor. Não consegue controlar as mãos e os braços que continuam, fora do contexto e como seres da máquina, os movimentos anteriores. Anda pela fábrica e “bate o ponto” diante de uma porta. Entra no banheiro. A música de fundo sugere liberdade e descontração. Acende um cigarro. A expressão revela alívio, alegria e prazer, que sucedem a saída de uma situação muito desagradável. A figura do presidente aparece em uma tela na parede. Ordena a volta ao trabalho. Carlitos sai, “bate o ponto” e volta à bancada. O retorno ao trabalho é reticente. Lixa as unhas, assume o papel de supervisor e, finalmente, não tendo alternativa, volta a apertar parafusos.

 

Em outra cena, o presidente recebe um grupo de vendedores que empurram uma estranha máquina. Um deles liga um toca-fitas e uma voz gravada diz:

Bom dia, amigo. Esta gravação foi feita pela Sales Talk Transcription Company. Quem vos fala é o vendedor mecânico. Temos o prazer de lhe apresentar o Sr. J. Willi e o Sr. Bellows, inventor da Máquina Alimentadora Bellows, um aparelho prático para alimentar seus homens enquanto eles trabalham. Por que parar para o almoço? Esteja na frente da concorrência! A Máquina Alimentadora Bellows elimina a hora do almoço, aumenta a produção e reduz o tempo ocioso. Agora vamos demonstrar a capacidade desta máquina maravilhosa. O belo corpo aerodinâmico… o desempenho suave e silencioso… o econômico motor elétrico… Esta é nossa sopeira automatizada. É completa, evita perda de tempo soprando-se a sopa para esfriar. A temperatura da sopa é mantida estável sem gasto de energia. No outro prato, temos o garfo empurrador de comida automático. Note a dupla ação. Esta é a base giratória sincronizada para espigas de milho, com funcionamento em duas velocidades: põe o milho direto em sua língua! Este é o guardanapo esterilizado por hidrocompressão que evita manchas nos uniformes. Estes são apenas alguns recursos da Máquina Alimentadora Bellows. Vamos demonstrá-la em um de seus funcionários, porque ações falam mais do que palavras. Lembre-se: se deseja ficar na frente da concorrência, não ignore a importância da Máquina Alimentadora Bellows.

Hora do almoço. O presidente e o grupo de vendedores dirigem-se para a linha de montagem. Carlitos ainda não almoçou e é escolhido para experimentar a máquina. A máquina apresenta defeitos e os efeitos recaem sobre Carlitos. É uma das cenas mais hilariantes do cinema. Por fim, o presidente apresenta o seu veredicto: “Não serve. Não é prática”.

Cena de Tempos Modernos

Cena de Tempos Modernos

Nas cenas finais da seqüência, por determinação do presidente, a velocidade da esteira é aumentada, automaticamente, pelo técnico, até chegar ao limite das possibilidades dos operários de acompanhá-la. Carlitos, no afã de acompanhar o ritmo, enlouquece e é engolido pela máquina. A cena pode ser considerada um símbolo do trabalho industrial contemporâneo. Ao ser retirado do meio das engrenagens, passa a querer apertar e a apertar tudo que é ou pareça parafuso: narizes, botões, seios… Liberto pela loucura, volta-se contra homens e equipamentos, sabotando, por fim, o servomecanismo central e interrompendo a produção. É levado para o hospício.

 

Em toda a seqüência da fábrica, não é possível perceber o que ali se produz. Aos olhos modernos, no entanto, isso não impede a compreensão do processo de produção e dos papéis nele envolvidos.

 

Em quinze minutos (tributo à genialidade de Chaplin), o filme retrata com precisão, faz uma crítica ainda atual, projeta desenvolvimentos técnicos (o circuito interno de televisão, o gravador, o controle digital da fábrica automática) e um determinado ambiente produtivo. Prevê, ainda, conseqüências futuras para o trabalho e para a administração de uma forma de organização do trabalho, cujos contornos definitivos tinham acabado de vir à luz.

 

O texto anterior, salvo pequenas modificações, faz parte do livro Ritos de Pasagem, Gerenciando Pessoas para a Qualidade, de José Antonio Küller, Editora Senac, São Paulo, 1987, pg. 45 a 47.

 

Para ver um exemplo de utililização de Tempos Modernos em uma situação de aprendizagem, clique aqui.


Del.icio.us : , , , , ,

 

O uso metodológico da Arte na educação profissional e corporativa 30 de outubro de 2008

 

 

Em um conjunto de posts relacionados, estamos apresentando a metodologia utilizada em  um amplo e modular Programa de Formação e Desenvolvimento de Supervisores de Primeira Linha, desenvolvido e inicialmente implementado em parceria da Germinal com o SENAC de São Paulo.

 

O programa foi desenhado a partir de um estudo em profundidade sobre as necessidades estratégicas de desenvolvimento profissional do supervisor de primeira linha, desenvolvido para a ABTD.

 

Foi implementado em empresas como: Villares, Belgo-Mineira, Cosmoquímica, Macsol, Caio, Metalúrgica Nova Americana, … Com alterações também foi implementado na COPENE, hoje Brasken.

 

É um Programa exemplar da perspectiva da Germinal de aproximar os universos da arte e do trabalho, como forma de facilitar a aprendizagem significativa e a construção criativa do conhecimento. O Programa é composto por sete módulos, com duração de 30 horas cada um. Para o desenho metodológico, cada módulo do Programa tem uma arte como referência, como mostra o quadro a seguir.

 

 
Programa de Desenvolvimento de Supervisores
 
Módulo
Arte de Referência
1. Supervisão e Trabalho Participativo
Teatro
2. Desenvolvimento do Papel de Supervisão e Chefia
Dramaturgia
3. Supervisão e Relações de Trabalho
Artes Plásticas
4. Administração de Conflitos e Negociação
Jogo Dramático
5. Desenvolvimento de Recursos Humanos
Literatura
6. Supervisão e criatividade de grupo
Música
7. Elaboração de Planos de Autodesenvolvimento
Poesia

 

 

Todas as formas de arte, citadas na coluna “Arte de Referência” são utilizadas simultaneamente em todos os módulos no Programa. Em cada módulo, no entanto, uma específica forma artística é usada como modelo ou como eixo do desenvolvimento metodológico. Além do conteúdo apresentado na primeira coluna, é isso que distingue um módulo do outro: a forma artística que articula a utilização das demais artes. A utilização intensiva da arte para efeitos didáticos é uma das inovações do Programa.

Pablo Picasso, Espanha (1881-1973), L'Atelier 1955

 

No Módulo III, Supervisão e Relações de Trabalho,  Artes Plásticas  é a forma artística que exerce um papel articulador. 

 

Em comum com os demais módulos do “Programa de Formação e Desenvolvimento de Supervisores”, a metodologia deste curso é fundada em um conjunto de princípios e articulada com uma leitura específica da evolução das organizações de trabalho.

 

 

I. Princípios:

 

1. Nutrição

O método deve proporcionar ao educando o domínio de novos conhecimentos. Emtodo caso e, especialmente, no caso de educação de adultos, o conhecimento novo deve articular-se com o saber já adquirido  e resignificá-lo.

 

2. Procriação

O método deve proporcionar uma relação pedagógica caracterizada pelo intercâmbio e pela troca, ao nível do pensar e ao nível afetivo pelo encontro direto, pessoal e amoroso entre educando-educando e educando-educador.

 

3. Atividade

O método deve promover a ação livre e espontânea do educando sobre o material em estudo. Uma relação lúdica com o conteúdo (visto como “opus”).

 

4. Reflexão

O método deve proporcionar uma gradativa passagem da ação espontânea para a ação consciente. Passagem intermediada pela Reflexão, entendida como uma interrupção da ação espontânea, num voltar-se para dentro onde a energia do impulso originário é transformada em atividade endo-psíquica, antes de manifestar-se enquanto ato humano (Jung). A partir da reflexão, a ação ganha em liberdade e variabilidade.

 

Vejamos um exemplo. Defronto-me com um campo. O impulso originário é correr pela relva. Detenho-me. Imagino-me correndo (atividade endo-psíquica). Se o impulso é suficientemente forte, ele se manifesta como ato, porém transformado. Posso realizá-lo como expressão verbal (É gostoso correr pela relva, digo.); como pensamento abstrato (como são livres as crianças…); como representação dramática (corro tal criança); como comportamento ético (corro, porque sou livre); como feito científico (estabeleço diferenças entre o comportamento infantil e adulto) ou como obra de arte (desenho, componho músicas, faço poesias, etc. sobre o tema).

 

5. Criatividade

É importante que o método propicie condições de geração de conhecimento, na medida em que o homem é um ser que cria (ver módulo Supervisão e Criatividade de Grupos).

 

 Os princípios derivam dos impulsos humanos fundamentais identificados por Jung. Para um   aprofundamento ver: Determinantes Psicológicos do Comportamento Humano, in: Jung, C.G. A Natureza da Psique. Petrópolis, Vozes, 1984.   

 

 

II. Evolução das Organizações do Trabalho

 

Para um certo olhar, a história da organização do trabalho é também a história da desqualificação do trabalho. De fato, a partir da destruição do Artesanato, a ação produtiva individual vem sendo gradativamente despojada de amplitude, complexidade, pensamento e criatividade (Braverman).

 

Tal desqualificação ganha em sistematização com a introdução do Taylorismo. Do Taylorismo dois processos nos interessam de perto: (1) a separação, no trabalho, entre pensamento e execução e (2) a fragmentação e simplificação das funções de execução (ver crítica de Charlie Chaplin, em Tempos Modernos).

 

A evolução da função de supervisão de grupos de trabalho é um capítulo particular dessa história. Nele, assiste-se à transformação do mestre-artesão, cuja perspectiva era o domínio cada vez mais aprofundado de seu campo de trabalho e a formação de novos mestres, no supervisor clássico, despojado de saber próprio, responsável pela transmissão de conhecimentos advindos do corpo técnico-gerencial e pelo controle da força de execução. No taylorismo, o supervisor é participante e vítima do movimento de desqualificação.

 

As organizações de trabalho ainda vivem, hoje, entretanto, a crise do taylorismo. Crise que foi provocada pela redução da produtividade dos modelos tayloristas e limitação de sua eficácia no controle da força de trabalho. Na base inicial da crise: os movimentos coletivos do trabalho (tentando recuperar o controle do trabalho sobre o trabalho) e a reação individual (impontualidade, absenteísmo, rotatividade, sabotagem, fadiga, esquiva, doença; formas de denúncia de um trabalho desmotivador).

 

Esses movimentos indidviduais e coletivos corroem a adesão do trabalhador à organização. Ora, como nenhuma organização pode prescindir da adesão do trabalhador, alternativas de organização do trabalho são sempre tentadas e propostas. O fundo comum dessas tentativas e propostas é a recuperação do pensar no trabalho e ampliação da complexidade de cada posto (reversão do Taylorismo).

 

A função do supervisor flutua em função dos recuos e avanços da organização do trabalho. Ao mesmo tempo, passa a ser figura importante na busca de soluções organizacionais alternativas, dada a sua posição estrutural.

 

 

 Um novo papel

Tendo em vista que propostas efetivamente inovadoras têm que contar, necessariamente, com a participação da força de trabalho, o supervisor é chamado a um novo papel – o de articulador e coordenador de seu grupo de trabalho na formulação de alternativas organizacionais. Para tanto, na sua formação, necessita:

 

1) Adquirir conhecimentos mais amplos sobre evolução e tendências da organização do trabalho (Nutrição).

 

2) Estabelecer relações de solidariedade com seu grupo de trabalho (Procriação).

 

3) Recuperar espaço para o exercício de sua própria iniciativa (Atividade).

 

4) Recuperar a capacidade de pensar o próprio trabalho e promover o pensamento de seu grupo de colaboradores (Reflexão).

 

5) Criar alternativas de coordenação e desenvolvimento de seu grupo de trabalho (Criatividade).

 

Os princípios metodológicos e a leitura sobre a evolução das organizações de trabalho desta forma se articulam.

 

 Uma ampliação dessa visão da evolução das organizações de trabalho pode ser encontrada em:  Küller, J.A. – Ritos de Passsagem: Gerenciando Pessoas para a Qualidade. São Paulo, Editora SENAC, 1996. 

 

 

III. Procedimentos Metodológicos

 

Tendo em vista os princípios metodológicos definidos, utilizar-se, no desenvolvimento do módulo, a seguinte estratégia:

Catfish Mondrian, por Roger Smith, Flickr

Catfish Mondrian, por Roger Smith, Flickr

 

a) Apresentação do conhecimento supostamente novo (Nutrição) através de um estímulo aberto (Símbolo). A apresentação do conteúdo de forma simbólica será efetuada através da música, da poesia, literatura, pintura, escultura e cinema.

 

b) Exploração do conteúdo e intercâmbio de conhecimentos entre os participantes através de ação espontânea (pelo não domínio do código). Para tanto, serão utilizadas técnicas decalcadas das Artes Plásticas.

 

c) Análise do material produzido (Reflexão), via debates em painel e em pequenos grupos, seguida de síntese do docente.

 

d) Elaboração de propostas de ação alternativas (Criatividade), ainda utilizando o suporte das Artes Plásticas.

 

A integração e amorização (Lauro de Oliveira Lima) dos participantes serão efetuadas e mantidas através de procedimentos especificamente (ou não) destinados a esse fim, durante todo o transcorrer do módulo.

 

UMA SESSÃO DE APRENDIZAGEM DE ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 28 de junho de 2008

 

 O material apresentado neste post refere-se a uma sessão de aprendizagem, retirada do Manual do Instrutor, da Estação de Trabalho de Administração e Organização, um dos componentes curriculares de uma versão alternativa ao Programa de Educação para o Trabalho (PET), do Senac/SP. O programa é destinado a jovens em situação de busca do primeiro emprego. A versão alternativa foi criada pela Germinal e não chegou a ser publicada e implementada na forma aqui apresentada. O excerto deve ser encarado como uma amostra do trabalho que pode ser desenvolvido pela Germinal Consultoria.

 

SESSÃO I: ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA DO TRABALHO

                                                                                                       

 CENÁRIO-BASE

A Estação de Trabalho, no formato de um curso-drama será desenvolvido em uma sala-palco, que manterá durante todos os seus atos um mesmo cenário padrão. A sala-palco conterá:

 1. Cadeiras universitárias ou mesinhas individuais, em número idêntico (exatamente) ao de atores participantes, incluindo os atores-coordenadores.  Assim, cada carteira vazia indica uma ausência.

 2. Dois suportes para álbum-seriado, com respectivas folhas (em branco) já colocadas.

 3. Móveis:

  • Aparador para recursos cênicos (textos, pastas, fitas de vídeo, áudio…).
  • Aparador para aparelho de TV, vídeo e som.
  • Aparador para retroprojetor.
  • Arquivo.
  • Armário.

 4. Nas paredes:

  • Quadro negro.
  • Quadro de avisos (grande).
  • Sempre que possível: um quadro com uma mandala e outro com a imagem simbólica do velho sábio.
  • Outros elementos decorativos (discriminados em cada ato).
  • Projeção do poema “Profissão do Poeta”(Geir Campos. A Profissão do Poeta. In: Fernandes, Millor e Rangel, Flávio. Liberdade, Liberdade. São Paulo, L&PM, 1987, p. 22.)

 

 

O Poeta, Chagall

O Poeta, Chagall

PROFISSÃO DO POETA

Operário do canto, me apresento

sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,

minha alma limpa, a face descoberta,

aberto o peito, e – expresso documento –

a palavra conforme o pensamento.

 

Fui chamado a cantar e para tanto

há um mar de som no búzio de meu canto.

Trabalho à noite e sem revezamentos.

Se há mais quem cante cantaremos juntos;

sem se tornar com isso menos pura,

a voz sobe uma oitava na mistura.

 

Não canto onde não seja a boca livre,

onde não haja ouvidos limpos

e almas afeitas a escutar sem preconceito.

Para enganar o tempo – ou distrair

criaturas já de si tão mal atentas,

não canto…

Canto apenas quando dança,

nos olhos dos que me ouvem, a esperança. 

 

 

 

 

 

 

 

5. No chão e no centro da sala: o desenho de um grande círculo (desenhado com fita crepe, por exemplo). As cadeiras estão dispostas em torno do círculo central, com uma abertura na direção do quadro negro (semicírculo) e com espaço suficiente para que os pés dos participantes não toquem o interior do círculo. No interior do círculo está desenhado um pequeno quadrado e, saindo do meio de cada um dos seus lados, quatro retas que dividem o círculo e o espaço total da sala em quatro partes e as cadeiras dos participantes em quatro grupos. Dentro de cada uma dessas partes, escrita em uma tarjeta ou cartolina e referindo-se a cada grupo de participantes, está colocada uma das seguintes palavras: Gerente, Técnico, Supervisor ou Operador.

 6. Um vaso com flores naturais, colocado sobre um dos móveis.

 7. Iluminação indireta, se possível.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

Ato I: A FORMAÇÃO DO ELENCO

 A. Cenas:

  • Cena I – A Composição do Elenco
  • Cena II – Todos os Nomes
  • Cena III – Expectativas
  • Cena IV – Gerentes
  • Cena V – Supervisores
  • Cena VI – Operadores
  • Cena VII – Técnicos
  • Cena VIII – Síntese

 B. Modificações no Cenário-Base:

1. Outros elementos decorativos nas paredes: quadros, ampliações fotográficas, recortes de revistas, etc., contendo cenas diversificadas de trabalho e produção: trabalho artesanal, trabalho em fábricas, linhas de montagem operadas com trabalho humano e com robôs, trabalho em equipe, operação de fábricas automáticas…

2. Quadro negro apagado.

3. Aparelhos de som e vídeo já testados.

4. Fixados no quadro de avisos:

  • Uma relação completa dos participantes.
  • Um dos textos que será utilizado no drama.
  • Um programa do espetáculo teatral.
  • Uma frase: Ator convidado para o drama, conquiste o seu espaço!
  • Um horário do espetáculo diário (início e término).

5. Sobre as cadeiras ou mesinhas individuais: programa do espetáculo teatral, cópias dos poemas: Contratados e O Relógio.

6. Música de fundo: Bolero, de Ravel.

 

C. Objetivos específicos do Ato

a. De reação – deseja-se que os atores se sintam:

  • respeitados;
  • esperados;
  • surpresos;
  • curiosos;
  • descontraídos;
  • alegres.

 b. De aprendizagem – Espera-se que os atores possam:

  • Rever e (re) memorizar o nome de todos os companheiros;
  • Conhecer novas características pessoais dos companheiros;
  • Conhecer o programa da Estação de Trabalho e as suas características metodológicas.
  • Intuir que existem muitas formas de trabalho e muitas maneiras de organizar e administrar o trabalho
  • Identificar as características fundamentais da organização clássica do trabalho
  • Fixar a divisão estrutural do trabalho na organização clássica (Taylorista /Fordista)
  • Intuir que as características básicas e estruturais da organização clássica estão presentes em praticamente todas as todas as atuais organizações e situações de trabalho coletivo.

 c. Sensação subjacente a ser produzida: algo importante vai acontecer.                 

d. Resultado adicional a ser buscado: aquecimento para a ação dramática e para a criatividade.

 

 

 Cena I: Composição do elenco

Carlos Scliar, Composição (ora bolas!),Vinil e colagem encerada sobre tela, Ouro Preto, MG.. 1993

Carlos Scliar, Composição (ora bolas!),Vinil e colagem encerada sobre tela, Ouro Preto, MG. 1993

Sala palco (do lado de fora). Porta fechada. Trinta minutos antes da chegada dos demais atores (denomina-se de ator ou de atores ao participante ou aos participantes do Programa Educação para o Trabalho)

Atores coordenadores : chegam. Abrem a porta. Ligam o som, colocando a música de fundo. Projetam a transparência prevista (Profissão do Poeta). Verificam o arranjo da sala, eventualmente alterando-o na direção descrita. Escrevem uma mensagem, referente ou não ao conteúdo do ato, em cada álbum-seriado e no quadro-negro.

 

 

 Durante essas ações, os atores coordenadores recepcionam os demais atores que chegam. No horário previsto:

 Atores coordenadores: fecham a porta. Nela, por dentro, fixam um cartaz com os dizeres: “ELENCO COMPLETO – PROIBIDA A ENTRADA“.

 O Ator que chegar atrasado para a CENA II deve conquistar o seu espaço.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cena II: Todos os Nomes

 

 

mosaico português, reproduzido do blog jumento.blogspot

Atores já sentados…

 Novo ator coordenador: lê o poema Profissão do Poeta e apresenta-se.

Atores coordenadores: contam uma história (engraçada, curiosa, trágica…) relacionada com seus próprios nomes.

Atores: cada qual conta, também, sua história.

Enquanto os atores se apresentam, entremeando as falas, os Atores-Coordenadores vão fazendo comentários a respeito do programa, do cenário, da utilização da arte, da música, do teatro, da poesia, etc.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cena III: Expectativas

Sanithna Phansavanh, great expectations 10" x 12" .. mixed media .. 2004

 

Atores: fecham os olhos. Recordam os antecedentes da atual ação. O início do Programa. Os dias anteriores ao atual. O dia de hoje. O caminho percorrido para chegar ao local do curso. A chegada. A entrada na sala. Como estão se sentindo agora…

Ator coordenador: solicita que os atores abram os olhos. Levantem-se. Andem pela sala.

Atores: abrem os olhos. Levantam-se. Andam pela sala. Exploram o espaço. Escolhem um objeto que represente a CHEGADA. Escolhem outro objeto representando a SAÍDA. Sentam-se. Dizem o nome dos objetos escolhidos.

Atores coordenadores: registram em um álbum-seriado o nome dos participantes seguido dos objetos escolhidos para representarem a chegada. No outro, os escolhidos para representarem a saída.

Ao mesmo tempo em que dizem os nomes dos objetos, os atores explicam porque os escolheram.

 Todos os atores: comentam os objetos escolhidos.

 

 

Cena IV: Gerentes

Ator-coordenador: coloca a fita com a música Pedro Pedreiro (Pedro Pedreiro. Chico Buarque de Holanda. In: Chico Buarque – Letra e Música. São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p.40. ). Solicita a atenção dos atores para a audição.

Atores: ouvem a música, acompanhada pela leitura da letra, previamente colocada sobre as carteiras.

PEDRO PEDREIRO

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

Manhã parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem

De quem não tem vintém

Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa

E a gente vai ficando pra trás

Esperando, esperando, esperando

Esperando o sol

Esperando o trem

Esperando o aumento

Desde o ano passado

Para o mês que vem

 

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

Manhã, parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem

De quem não tem vintém

Pedro pedreiro espera o carnaval

E a sorte grande do bilhete pela federal

Todo mês

Esperando, esperando, esperando

Esperando o sol

Esperando o trem

Esperando aumento

Para o mês que vem

Esperando a festa

Esperando a sorte

E a mulher de Pedro

Está esperando um filho

Pra esperar também

 

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

Manhã, parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem

De quem não tem vintém

Pedro Pedreiro está esperando a morte

Ou esperando o dia de voltar pro norte

Pedro não sabe mas talvez no fundo

Espera alguma coisa mais linda que o mundo

Maior do que o mar

Mas pra que sonhar

Se dá o desespero de esperar demais

Pedro pedreiro quer voltar atrás

Quer ser pedreiro pobre e nada mais

Sem ficar esperando, esperando, esperando

Esperando o sol

Esperando o trem

Esperando o aumento para o mês que vem

Esperando um filho pra esperar também,

Esperando a festa

Esperando a sorte

Esperando a morte

Esperando o norte

Esperando o dia de esperar ninguém

Esperando enfim nada mais além

Da esperança aflita, bendita, infinita

Do apito do trem

 

Pedro pedreiro esperando

Pedro pedreiro esperando

Pedro pedreiro esperando o trem

         Que já vem, que já vem, que já vem (etc.)

 Atores coordenadores: comentam a música. A música é relacionada com o tema “organização clássica do trabalho” e com a música de fundo “Bolero” (a idéia da repetição trazida pelas músicas – característica do trabalho monótono e parcelado da organização clássica).

                                          Breve pausa…

Ator coordenador: solicita aos atores que ocupam o espaço identificado no chão como “Gerente” que se apresentem individualmente, dizendo o que considerarem mais relevante a respeito de si mesmos e, também, o que mais lhes chamou a atenção, no curso, até o momento.

Atores do Grupo de Gerentes: um a um, vão se apresentando.

Enquanto os atores se apresentam, no entremeio, os atores-coordenadores vão fazendo comentários a respeito do programa, do cenário, da utilização da arte: música, teatro, poesia, etc.

 

  

Cena V: Supervisores

Atores coordenadores: exibem a seqüência inicial do filme Tempos Modermos ( Tempos Modernos, filme de Charlie Chaplin, distribuído em vídeo pela Globo Vídeo.)

Vídeo 1/9

 Vídeo 2/9

 Observação: O trecho selecionado de exibição corresponde ao segmento que vai do início do filme até o momento em que o personagem Carlitos, enlouquecido, é levado pela ambulância.

 Após a exibição, os atores coordenadores solicitam aos atores instalados no espaço identificado no chão como “Supervisores” que se apresentem. Na apresentação, os atores devem dizer algo que os companheiros ainda não conhecem a respeito de si mesmos e, em seguida, o que mais lhes chamou atenção no espetáculo até o momento.

 Atores: apresentam-se. Comunicam suas impressões.

Atores coordenadores: a partir das observações desse último grupo de atores, fazem comentários sobre o filme, chamando a atenção para a possibilidade de utilização pedagógica do cinema e teatro. Mostram que esses recursos conseguem, como no caso do filme de Chaplin, veicular sinteticamente as idéias.

Os coordenadores consideram que o filme já foi usado no Programa para outros objetivos. Agora, ele serve para fazer um retrato da organização clássica do trabalho e, especialmente, de sua forma peculiar de dividir o trabalho. Os coordenadores chamam a atenção para as relações entre o filme e o cenário. Alertam, rápida e especialmente, para a divisão da sala em supervisores, operadores, gerentes e técnicos e a divisão do trabalho vista no filme:

  • Operadores: todos aqueles que fazem alguma coisa, executam um trabalho particular (os operários, a secretária, o policial…). Na organização clássica, as funções operacionais são muito divididas (fragmentadas) e a forma de executá-las não é pensada pelo ocupante do cargo.
  • Supervisores: aqueles que controlam diretamente o trabalho dos operadores, aqueles que mandam o operador fazer aquilo que deve ser feito. No filme, o supervisor é representado pelos homens do dedo em riste, os controladores do ritmo na linha de montagem.
  • Técnicos: os responsáveis pela invenção e operação dos meios técnicos para operacionalizar ou concretizar uma determinada estratégia, missão ou visão organizacional. No filme, a estratégia organizacional é produzir a qualquer custo. Os técnicos (o acelerador da velocidade e o inventor da máquina de comer) inventam ou operam os meios de tornar a estratégia factível.
  • Gerentes: os que definem a missão, a visão e a estratégia organizacional. Na organização clássica (só nela?) definem também a tecnologia (comprar ou não comprar a máquina de comer…), a organização do trabalho e o “estatuto da gafieira”, ou seja: as relações de trabalho e as normas organizacionais (não pode fumar no banheiro durante o horário de trabalho…).

Simplificando e resumindo: técnicos e gerentes pensam e decidem, operadores e supervisores obedecem e executam (Uma exploração mais detalhada do segmento inicial do filme Tempos Modernos, enquanto um retrato, uma síntese e uma crítica da organização clássica do trabalho, pode ser encontrada em: KÜLLER, J.A. Ritos de Passagem – Gerenciando Pessoas para a Qualidade. São Paulo, Editora SENAC, 1997 ).

 

Cena VI: Operadores

Atores coordenadores: solicitam a um ator voluntário, pertencente ao grupo dos Operadores, que leia a

David Guglielmi

Foto: David Guglielmi

poesia Contratados (Agostinho Neto, Contratados. In: ANDRADE, M. Antologia Temática de Poesia Africana – Na Noite Grávida de Punhais. Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1977, p.189.), já disponível nas cadeiras de todos os demais atores que podem, assim, acompanhar a leitura.

 

 

CONTRATADOS

Longa fila de carregadores

domina a estrada

com os passos rápidos

 

Sobre o dorso

levam pesadas cargas

Vão

olhares longínquos

corações medrosos

braços fortes

sorrisos profundos como águas profundas

 

Largos meses os separam dos seus

e vão cheios de saudades

e de receio

mas cantam

 

Fatigados

esgotados de trabalhos

mas cantam

 

Cheios de injustiças

caladas no imo de suas almas

e cantam

 

Com gritos de protesto

mergulhados nas lágrimas do coração

e cantam

 

Lá vão

perdem-se na distância

na distância se perdem os seus cantos tristes

 

Ah!

eles cantam…

 

Ator voluntário: lê a poesia.

Sem comentários e imediatamente ao final da leitura…

 

Um dos Atores coordenadores: coloca a fita com a música Muxima ( Do disco Angola, Discos Eldorado. A letra não foi acrescentada ao texto por tratar-se de versão original em um dos dialetos angolanos. Trata-se de uma música folclórica de Angola. O temo Muxima designa, ao mesmo tempo, o coração e um lugar sagrado Angolano.) 

 Todos: ouvem, silenciosamente, a música, até o final.

Durante toda a audição, os Atores Coordenadores permanecem em atitude de concentração, dando o “tom” de comportamento para os demais atores. Após um momento de pausa, durante a qual a emoção da cena reflui…

Atores coordenadores: solicitam que os atores ocupantes do espaço identificado no chão como “Operadores” se apresentem. Na apresentação, os operadores seguem o mesmo roteiro utilizado pelos supervisores.

Atores do grupo “Operadores”: apresentam-se. Explicitam suas impressões.

Atores coordenadores: fazem comentários a respeito do sentido do impacto dramático provocado em cenas como esta (da audição da poesia e música). Expõe, rapidamente, que a integração entre o pensamento e emoção será uma característica geral do módulo.

 

 

Cena VII: Técnicos

 
 
 
 

 

Imagem Google Perolando

Imagem Google Perolando

 

 

 

 

 

Atores coordenadores: solicitam que os atores peguem o poema O Relógio (Melo Neto, J.C.. Antologia Poética.  José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1979, p.68.), antes colocado sobre as carteiras. O poema está dividido em quatro partes. É atribuída uma parte a cada um dos quatro grupos dispostos nos quadrantes. Os coordenadores propõem que cada grupo prepare a apresentação do poema através de leitura e movimentos rítmicos, em 20 minutos. Orientam para que os grupos, na preparação, procurem captar, a partir de uma leitura do texto inteiro, o sentido geral da parte do poema que deverão representar. É em cima desse sentido geral que os movimentos devem ser elaborados. Os grupos devem evitar uma representação que reproduza ponto a ponto, em movimentos, a leitura do texto. Os movimentos não devem tentar ser uma réplica das palavras.

 

O RELÓGIO

1. Ao redor da vida do homem

    há certas caixas de vidro,

    dentro das quais, como em jaula,

    se ouve palpitar um bicho.

 

    Se são jaulas não é certo;

    mais perto estão das gaiolas

    ao menos, pelo tamanho

    e quebradiço da forma.

 

    Umas vezes, tais gaiolas

    vão penduradas nos muros;

    outras vezes, mais privadas,

    vão num bolso, num dos pulsos.

 

    Mas onde esteja: a gaiola

    será de pássaro ou pássara:

    é alada a palpitação,

    a saltação que ela guarda;

 

    e de pássaro cantor,

    não pássaro de plumagem:

    pois delas se emite um canto

    de uma tal continuidade

 

    que continua cantando

    se deixa de ouvi-lo a gente:

    como a gente às vezes canta

    para sentir-se existente.

 

2. O que eles cantam, se pássaros,

    é diferente de todos:

    cantam numa linha baixa,

    com voz de pássaro rouco;

 

    desconhecem as variantes

    e o estilo numeroso

    dos pássaros que sabemos,

    estejam presos ou soltos;

 

    têm sempre o mesmo compasso

    horizontal e monótono,

    e nunca, em nenhum momento,

    variam de repertório:

 

     dir-se-ia que não importa

     a nenhum ser escutado.

     Assim, que não são artistas

     nem artesãos, mas operários

 

     para quem tudo o que cantam

     é simplesmente trabalho,

     trabalho rotina, em série,

     impessoal, não assinado,

 

     de operário que executa

     seu martelo regular

     proibido (ou sem querer)

     do mínimo variar.

 

3. A mão daquele martelo

     nunca muda de compasso.

     Mas tão igual sem fadiga,

     mal deve ser de operário;

 

     ela é por demais precisa

     para não ser mão de máquina,

     e máquina independente

     de operação operária.

 

     De máquina, mas movida

     por uma força qualquer

     que a move passando nela,

     regular, sem decrescer:

 

     quem sabe se algum monjolo

     ou antiga roda de água

     que vai rodando, passiva,

     graças a um fluído que a passa;

 

     que fluído é ninguém vê:

     da água não mostra os senões:

     além de igual, é contínuo,

     sem marés, sem estações.

 

     E porque tampouco cabe,

     por isso, pensar que é o vento,

     há de ser um outro fluído

     que a move: quem sabe, o tempo.

 

4. Quando por algum motivo

     a roda de água se rompe,

     outra máquina se escuta:

     agora, de dentro do homem;

 

     outra máquina de dentro,

     imediata, a reveza,

     soando nas veias, no fundo

     de poça no corpo, imersa.

 

     Então se sente que o som

     da máquina, ora interior,

     nada possui de passivo,

     de roda de água: é motor;

 

     se descobre nele o afogo

     de quem, ao fazer, se esforça,

     e que ele, dentro, afinal,

     revela vontade própria,

 

     incapaz, agora, dentro,

     de ainda disfarçar que nasce

     daquela bomba motor

     (coração, noutra linguagem)

 

     que, sem nenhum coração,

     vive a esgotar, gota a gota,

     o que o homem, de reserva,

    possa ter na íntima poça.  

Após 20 minutos…

Grupo 1: um dos integrantes do grupo lê o primeiro segmento do poema, enquanto os demais representam o poema através de movimentos rítmicos (corpo expressivo).

Sem pausas, nem comentários…

Grupos 2,3, e 4: procedem de forma similar ao grupo 1, em relação aos seus segmentos de poema.

                                 Pausa, na qual ocorrem comentários espontâneos sobre o trabalho.

Ator coordenador: solicita que os atores, ocupantes do espaço identificado no chão como “Técnico”, se apresentem dizendo: o que quiserem sobre si mesmos e, também, o que mais lhes chamou a atenção até o momento.

Técnicos: apresentam-se e expõem suas impressões.

Atores: apresentam suas dúvidas a respeito do espetáculo.

Atores coordenadores: esclarecem as dúvidas dos atores, aproveitando para apresentar o programa do espetáculo teatral.

 

The Birth of the World. Montroig - late summer-fall 1925, Oil on canvas, 8 2 3/4 x 6 6 3/4 (250.8 x 200 cm), The Museum of Modern Art, New York, Joan Miró, Surrealismo

The Birth of the World. Montroig - late summer-fall 1925, Oil on canvas, 8' 2 3/4" x 6' 6 3/4" (250.8 x 200 cm), The Museum of Modern Art, New York, Joan Miró, Surrealismo

Cena VIII: Síntese

 

 Atores coordenadores: retomam à evolução do trabalho, vista no Núcleo Central e às cenas  anteriores em uma síntese que contemple as características fundamentais da organização clássica do trabalho (Taylorista/Fordista) e sua peculiar divisão estrutural e técnica do trabalho.

 

Observação: os resumos, vistos adiante, colocados em cartaz ou transparência, podem auxiliar o coordenador na síntese. (Esses resumos foram extraídos de: KÜLLER, J.A. Ritos de Passagem – Gerenciando Pessoas para a Qualidade. São Paulo, SENAC, 1997. )  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PAPÉIS ESTRUTURAIS DA ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA

CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA

 

1.       SEPARAÇÃO ENTRE CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO

2.       FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO DE EXECUÇÃO

3.       RELAÇÃO AVERSIVA COM O TRABALHO

4.       PRODUTO É RESULTADO DO TRABALHADOR COLETIVO

5.       PRODUÇÃO EM MASSA

6.       ESPECIALIZAÇÃO E AJUSTE DO HOMEM A ATIVIDADES REPETITIVAS

7.       TREINAMENTO VISTO COMO ADESTRAMENTO

8.       CONTROLE EXTERNO DO TEMPO E DO RITMO DE TRABALHO

9.       NÃO-PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO

10.   SEPARAÇÃO PAPEL/PESSOA

         Se ainda houver tempo… 

Atores coordenadores: focalizam o ambiente. Situam a função prática e o simbolismo das figuras traçadas no chão. Solicita que os atores observem os quadros. Discutam o significado de cada um deles… Antes dos atores avaliarem o dia e saírem, fala da tarefa prevista para o início de todas as sessões e distribui, entre os grupos antes formados, os dias para a realização do Teatro-Jornal.

 

Referência para os Coordenadores

 

As figuras no chão e nas paredes têm uma função simbólica e/ou outra pragmática. No chão, por exemplo, o círculo é um símbolo (da perfeição) e delimita de forma pragmática o espaço dramático, o espaço do “como se”. Diferencia-o do espaço do grupo e do contexto grupal representado pelo semicírculo das cadeiras. Os quadros, fotografias e recortes de cenas de trabalho e produção não são símbolos. Devem indicar concretamente a diversidade de formas produtivas e de organização do trabalho. Já o velho sábio e a mandala são símbolos. Focam uma determinada área de experiência e abrem uma multiplicidade de significados.

Os principais símbolos colocados na sala referem-se ao processo criativo, tal como pensado por Jung. Indicam, em geral, opostos (círculo x quadrado, por exemplo) e a conjugação dos opostos (por exemplo, a mandala). O texto a seguir pode ajudar na preparação do cenário ou na sua interpretação.

 

 

Sobre Símbolos

 

1. Arquitetura

Portal 1 - 2001 -Antonio Cláudio Massa

Portal 1 - 2001 -Antonio Cláudio Massa

 

 

 

O simbolismo arquitetônico é, naturalmente, muito amplo e complexo. Fundamenta-se, em princípio, na correspondência de sistemas de ordenação, resultado de levar à abstração e coincidência fenômenos diversos em conexão com as formas que pode tomar a construção arquitetônica e a organização dos espaços. Simbolismos secundários ao aludido, da “ordem”, derivam da forma, das estruturas, cor, material, função, distribuição em altura, hierarquia de elementos, etc.

 

 

 

 

2. Caos

A doutrina da realidade considera o caos como um estágio inicial cegamente impulsionado para uma nova ordem de fenômenos e de significações. Blavatsky pergunta-se: “Que é o caos primordial senão o éter contendo em si mesmo todas as formas e todos os seres, todos os germes da criação universal”.

 

3. Círculo

Às vezes se confunde com a circunferência, e como esta com o movimento circular. Porém, ainda que o sentido mais geral englobe os três aspectos, há determinações particulares que importa destacar. O círculo ou disco é, com freqüência, emblema solar (indiscutivelmente quando está rodeado de raios). Também tem correspondência com o número 10 (retorno à unidade após a multiplicidade), pelo que simboliza muitas vezes o céu e a perfeição ou também a eternidade. Há uma implicação psicológica profunda neste significado do círculo como perfeição. Por isso diz Jung que o quadrado, como número plural mínimo, representa o estado pluralista do homem que não alcançou a unidade interior (perfeição), enquanto que o círculo corresponderia ao final da referida etapa.

 

4. Circunferência

Símbolo da limitação adequada, do mundo manifesto, do preciso e regular, também da unidade interna da matéria e da harmonia universal, segundo os alquimistas. O ato de incluir seres, objetos ou figuras no interior de uma circunferência tem um sentido: de dentro, implica uma limitação e determinação; de fora, constitui a defesa de tais conteúdos físicos ou psíquicos, que deste modo se protegem contra os perils of the soul que ameaçam lá do exterior, assimilado até certo ponto ao caos; perigos, sobretudo, de falta de limites e desagregação.

 

5. Espaço

De certo modo, o espaço é uma região intermediária entre o cosmo e o caos. Como âmbito de todas as possibilidades é caótico, como lugar das formas e das construções é cósmico. A relação entre o espaço e o tempo bem cedo constituiu um dos meios para dominar a natureza rebelde do espaço. Outro, o mais importante, foi sua organização por meio de divisões fundadas em sua tridimensionalidade. Cada dimensão, em seus dois sentidos possíveis – na reta – facilitou dois pólos de orientação. A estes seis pontos situacionais acrescentou-se o sétimo: o centro. O espaço ficou convertido assim numa construção lógica. O simbolismo do nível e da orientação completou sua ordenação significativa. A tridimensionalidade do espaço se expressa por uma cruz de três dimensões, cujos ramos se orientam nas seis direções espaciais: as quatro dos pontos cardeais mais as duas do zênite e do nadir.

 

Formas e Espaços, Justino Alves

Formas e Espaços, Justino Alves

 

 

 

6. Formas

As formas, que dentro de um mesmo sistema ou grupo são diferentes, podem ordenar-se em séries ou gama (e são aptas a serem incluídas em ordens de analogias e correspondências). Assim, trapézio, retângulo, quadrado, círculo assinalam um avanço progressivo da irregularidade à regularidade, que poderia simbolizar exatamente uma evolução moral. Jung alude a estas coisas quando diz que, o quadrado, como número plural mínimo (simbolizante do situacional) representa o estado pluralista (interno) do homem que ainda não alcançou sua unidade interior. Contudo, é superior ao trapézio como este ao trapezóide. O octógono é a figura de intercalação (intermediário) entre o quadrado e o círculo. Não é preciso insistir que os símbolos têm significados em diversos planos, principalmente no psicológico e no cósmico. Assim, psicologicamente, o triângulo é também, em sua posição natural, com o vértice para cima, e colocado entre o quadrado e o círculo, um elemento de comunicação. Porém, objetivamente, essas três figuras simbolizam a relação (triângulo) da terra (quadrado) e do céu (círculo, roda, rosácea).

 

7. Mandala

Mandala de Avalokiteshvara,a roda da Compaixão

Mandala de Avalokiteshvara,a roda da Compaixão

Este termo hindu significa círculo. (…) No ocidente, a alquimia apresenta com relativa freqüência figuras de inegável caráter mandálico nas quais se contrapõem o círculo, o triângulo e o quadrado. Segundo Heinrich Khunrath, do triângulo no quadrado nasce o círculo. (…) A mandala, em resumo, é antes de tudo uma imagem sintética do dualismo entre diferenciação e unificação, variedade e unidade, exterioridade e interioridade, diversidade e concentração. Exclui, por considerá-la superada, a idéia da desordem e sua simbolização. É, pois, a exposição plástica, visual, da luta suprema entre a ordem, mesmo a que existe na variedade, e o desejo final de unidade e retorno à condensação original no inespacial e intemporal (ao “centro” puro de todas as tradições). Porém, como a preocupação ornamental (quer dizer, simbólica inconsciente), é também a de ordenar um espaço (caos) dado, cabe um conflito entre duas possibilidades: a de que algumas presumíveis mandalas surjam das simples vontade (estética ou utilitária) de ordem; ou de que, em verdade, procedam do anseio místico de integração suprema.

 

8. Quaternário

 

(…) Por isto o quaternário corresponde à terra, à organização material, enquanto que o três expõe o dinamismo moral e espiritual.

 

 

 

 

 

9. Retângulo

É a mais racional, segura e regular de todas as formas geométricas; isto se explica empiricamente pelo fato de que, em todos os tempos e lugares, é a forma preferida pelo homem e a que ele dá a todos os espaços e objetos preparados para a vida. A casa, o quarto, a mesa, a cama povoam de retângulos o ambiente humano.

 

10. Triângulo

Imagem geométrica do ternário, no simbolismo dos números equivale ao três. Em sua mais alta significação aparece como emblema da Trindade. Em sua posição normal, com o vértice para cima também simboliza o fogo e o impulso ascendente de tudo para a unidade superior, desde o extenso (base) ao inextenso (vértice), imagem da origem ou ponto irradiante. (…) Com o vértice truncado, símbolo alquímico do ar; com o vértice para baixo, símbolo da água; em igual posição e com o vértice truncado, símbolo da terra. A interpenetração de dois triângulos completos em posições diferentes (água e fogo) dá lugar à estrela de seis pontas, chamada selo de Salomão, que simboliza a alma humana. (As interpretações anteriores são excertos de: CIRLOT, J.E. Dicionário de Símbolos. São Paulo. Editora Moraes, 1984.) 

 

11. Velho sábio

 

Ancião, Toia Neuparth, pintora angolana

Ancião, Toia Neuparth, pintora angolana

 Se a velhice á um sinal de sabedoria e de virtude (os presbíteros são originalmente anciãos, i.e., sábios e guias), se a China desde sempre honrou os velhos, é que se trata de uma prefiguração da longevidade, um longo acúmulo de experiência e de reflexão, que é apenas uma imagem imperfeita da imortalidade. Assim, a tradição conta que Lao-tse nasceu de cabelos brancos, com aspecto de um velho e que daí vem o seu nome, que significa Velho Mestre. O taoísmo da época dos Han conhece uma divindade suprema, chamada Huang-lao Kium. i.e., Velho Senhor amarelo: expressão puramente simbólica que M. Maspéro corretamente relacionou ao Ancião dos Dias do Apocalipse: poderíamos acrescentar o Velho da Montanha, dos drusos. No mesmo Apocalipse, o Verbo é apresentado de cabelos brancos, mais uma vez sinal da eternidade. Mas, por escapar às limitações do tempo pode ser expresso tanto no passado quanto no futuro; ser um velho é existir desde antes da origem; é existir depois do fim desse mundo. Assim, o Buda qualifica-se de Irmão mais velho do Mundo. Xiva é por vezes venerado (notadamente no Kampuchea (Camboja) angkoriano) sob o nome de Velho Senhor (Vridheshvara). A sociedade secreta chinesa T’ien-ti huei é às vezes designada como sociedade do Verdadeiro Ancestral (por exemplo, no decreto do imperador vietnamita Gia Long, que a condena). Este Ancestral é o Céu, pelo menos para o Homem verdadeiro, filho do Céu e da terra. ( Retirado de: Chevalier, J. e Gheerbrant, A. Dicionário dos Símbolos. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1995, p. 934.)   

         

Cena de finalização e transição 1

 

 

foto reproduzida do blog vandrefernando.blogspot.com

foto reproduzida do blog vandrefernando.blogspot.com

Atores: escrevem, em um pedaço de papel, o próprio nome e uma frase que indique como viveram essa primeira etapa do drama. Cada um fixa no quadro de avisos a sua frase.

 

       Após a saída dos demais atores…

 

Atores coordenadores: analisam a sessão tendo como referências as frases dos atores, o desenvolvimento das atividades e os objetivos do ato.

 

COPENE – O caso Repensar 23 de junho de 2008

 

 

 

Friz Lang, Metropolis, 1927

Friz Lang, Metropolis, 1927

 

O artigo publicado a seguir é de Denise Lemos, que foi Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Direc), da COPENE (BA), hoje Braskem. O artigo trata  do Projeto Repensar. O Projeto centrou-se em mudanças da organização do trabalho. A Germinal Consultoria participou intensamente desse processo e acompanhou todo o desenvolvimento do Projeto.

Foi da Germinal, por exemplo, a responsabilidade pela concepção e desenvolvimento do  Seminário Gerencial, com 40 horas de duração, que deu início e acompanhou o desenvolvimento do projeto. Como diz Denise, o seminário atendeu a todos os gerentes, supervisores e técnicos da COPENE.

 

 

 

 

 

 

Revolução no trabalho? O caso do Repensar [1]

 

 

 

I. Sumário

O objetivo desse estudo é avaliar uma experiência de mudança organizacional que se desenvolveu na Copene – Petroquímica do Nordeste S.A, no período de 1988 à 1992, e foi conduzida pelo órgão de Recursos Humanos. O eixo central da intervenção foi a organização do trabalho, no sentido de romper com a lógica taylorista, buscando a integração da concepção e execução, desenvolvendo mais autonomia, participação e criatividade. Os resultados mostraram uma experiência inovadora, em relação às práticas de gestão de pessoal nas organizações no Brasil.

Abstract
The aim of this paper is to evaluate an experience of organizational change, which was developed at Copene – Petroquímica do Nordeste S.A. ,from 1988 to 1992 and that was conducted by an Human Resources Department . The pivot of the intervention was the organization of the work to break with the taylorist logic, seeking the integration of conception and execution, developing more autonomy, participation and creation. The results showed an innovative experience in relation to the practices of personal management in the organizations in Brazil.
Palavras chave – organização do trabalho; mudança organizacional; democracia do trabalho; alienação do trabalho; Recursos Humanos.

Introdução

Com o advento do taylorismo e da administração científica em decorrência das necessidades de aumento de produção e da produtividade, o ser humano no trabalho passou a ser visto como recurso ou fator produtivo, fruto de uma sociedade centrada no mercado (Mattos, 1992). Dessa forma, passa a ser tratado como tal através das políticas e práticas dos orgãos de Recursos Humanos das Organizações.

Por outro lado, os altos e baixos da trajetória econômica brasileira com as suas repercussões no meio empresarial, fazem com que a atuação de Recursos Humanos, adquira um caráter casuístico, reativo e dependente dos modelos das multinacionais ( Resende, 1989). O trabalho fragmentado e as mudanças tecnológicas são encarados de forma acrítica, como algo que está dado e cuja função do profissional de Recursos Humanos é pensar meios para aumentar a sua adaptação e adesão aos procedimentos estabelecidos. Nesse sentido essa função organizacional assume um papel claramente reprodutor e consolidador do sistema de gestão taylorista do trabalho, buscando artifícios “humanizadores” que atuam em características periféricas, não atingindo a essência da organização do trabalho nem das relações de poder.

Dentro deste panorama, emerge uma experiência diferenciada, conduzida pelo orgão de Recursos Humanos da Copene – Petroquímica do Nordeste S.A. empresa que coordenou a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari na Bahia, no período de 1986 a 1992.

A referida equipe obteve uma formação profissional contrária ao contexto de sua época, a qual tinha como eixo central uma concepção do trabalhador como ser humano integral, que pensa sente e age (Rivière, 1979); ser histórico e socialmente determinado; ser de relação. Também uma concepção do trabalho em si como fonte central da identidade do indivíduo, sendo portanto fundamental uma postura crítica diante da organização taylorista do trabalho. A participação e as condições saudáveis de trabalho também ocupavam lugar de destaque. A partir de uma pesquisa social de necessidades em parceria com a UFBA, colocou-se o desafio de encaminhar um processo de mudança organizacional próprio, direcionado para os dados da realidade identificados na organização. Esse trabalho teve como centro a crítica à organização do trabalho e a proposição de um trabalho emancipador, nos termos definidos por Cherns (1965).

O objetivo desse trabalho é analisar a experiência de mudança organizacional, conduzida pelo orgão de Recursos Humanos, que foi denominada de “Repensar” e teve como pontos principais: a revisão crítica da organização do trabalho; a proposição de mecanismos de participação do trabalhador; a proposição de condições de trabalho mais igualitárias e promotoras da saúde do trabalhador.

A escolha desse objeto de pesquisa se deve ao fato de ser uma experiência inovadora em termos das organizações brasileiras, de difícil implantação, por ter um caráter democratizador das relações e de emancipação do trabalhador, quando sabemos que a cultura do empresário brasileiro é basicamente voltada para grandes margens de lucro, custos baixos com mão de obra , controle e disciplinamento.

A pesquisa se constituiu num estudo de caso de uma experiência concreta, o Repensar, que se desenvolveu numa organização, a Copene, sendo que a pesquisadora participou da experiência, no papel de chefe da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Direc), o que implicou em facilidades e dificuldades de ordem metodológica. O levantamento dos dados, ou seja, a investigação de campo, foi feita através de uma amostragem estratificada de natureza qualitativa, onde se buscou entrevistar os informantes chave, ocupantes de diferentes cargos na empresa, inclusive o sindicato (na época o Sindiquímica ) para obter uma percepção do objeto de investigação, sob óticas diversas e inclusive contrapostas.

 

O processo de trabalho na indústria petroquímica e na Copene

A petroquímica é uma indústria de processo de produção contínuo, realizado por um complexo integrado de equipamentos industriais automatizados. O trabalhador não possui uma intervenção direta, seu papel é controlar as variáveis das reações físico químicas como pressão, vazão, temperatura, atuando quando o sistema sai fora das especificações programadas. A automação é requerida porque a pressão e a temperatura são muito elevadas podendo provocar explosões, sendo portanto, variáveis inviáveis de serem manipuladas pelo ser humano. O processo é perigoso e exige perícia nas decisões e atenção aos procedimentos de segurança. Os produtos da Copene são petroquímicos básicos como o Eteno, Benzeno, Tolueno etc e utilidades como energia elétrica, água etc, em grandes quantidades. As matérias primas utilizadas são a nafta, gás, gasóleo fornecidos pela Petrobrás. A programação da produção, manutenção e segurança é feita pela engenharia e técnicos especializados, cabendo aos operadores executar as instruções definidas. Alguns operadores possuem um serviço mais braçal e atuam área junto aos equipamentos, abrindo e fechando válvulas, registrando os dados das variáveis de processo ou verificando a condição de algum equipamento. Outros atuam na “sala de controle” acompanhando o desempenho da área através de painéis de controle. Existe um operador mais qualificado que é responsável por uma determinada área e coordena o trabalho dos demais. Quando o processo está normal os operadores não tem nada a fazer de uma forma geral em termos da intervenção no processo, mas é necessária uma atenção concentrada no controle dos indicadores do fluxo dos produtos; a intervenção se dá quando o previsto não ocorre na prática. O regime de trabalho é revezamento de turno. Na Copene os operadores representavam 76% da força de trabalho no início da década de 80.

É um trabalho que exige um esforço físico, principalmente nas paradas de manutenção. Um esforço mental em termos de raciocínio, atenção concentrada, memorização, rapidez de pensamento nas emergências, esforço visual e auditivo para detectar anormalidades no processo.

Durante a década de 80 a Copene adota uma política de estabilidade no emprego para conseguir também a estabilidade do processo de trabalho. Os salários ficam acima do mercado do ramo do comércio e construção civil. Além de benefícios e atividades de integração social, buscando em contra partida a adesão dos trabalhadores, considerada como privilegiada. Entretanto Pecchia, (1985), coloca que a despeito dos altos salários há uma consciência das perdas salariais e do poder aquisitivo em função da inflação e da crise.

 

O poder da hierarquia


A implantação do pólo petroquímico enfrentou a falta de mão de obra especializada e gerencial. Muitos engenheiros inexperientes do ponto de vista gerencial, foram colocados na posição de chefia. Por outro lado a grande maioria era do sul do país enquanto os operários eram baianos, o que de certa forma representou uma variável importante na gestão de pessoal. (No primeiro ano de operação, durante os festejos juninos faltaram ao trabalho em torno de 100 operadores). Nessa época , a partir 1979 a área administrativa emerge com um grande poder de definição de regras e procedimentos administrativos uma vez que era uma das poucas que detinham um conhecimento anterior correlato ao da Petroquímica. Outro aspecto é que a maioria dos chefes era oriunda da cultura Petrobrás, bastante marcada pela cultura militar. Segundo Pecchia,(1995) embora o medo fosse usado como meio de impedir a organização operária, poderia transformar-se numa reserva de revolta. E foi o que aconteceu nos anos que se seguiram. Os chefes eram vistos como autoritários e os operários muitas vezes se sentiam humilhados.

Havia um clima de tensão contínua não só pela pressão da hierarquia mas pelos riscos de explosões, intoxicação química e nível de ruído. Por outro lado o esquema de revezamento de turno isola socialmente os operários da família e amigos tornando-o “anti-social” e dificultando o seu lazer. Guimarães(1988) observa que:” exatamente ali onde parecia portar todas as condições objetivas para o surgimento de uma aristocracia operária, emergia um segmento cujo discurso repousava numa ideologia de natureza anti-patronal”. Complementando, segundo Castro e Guimarães (1995) os operários do Pólo Petroquímico não se percebem como técnicos e sim como peões, ao lhe serem relegadas tarefas pesadas e de pouca interferência no processo. Ao mesmo tempo em que alijados de uma cidadania operária ou do convívio social, embora não vivenciem uma exclusão material, vivenciam uma exclusão simbólica.

 

A atuação do órgão de Recursos Humanos da Copene e o processo do “Repensar”.

O estilo autoritário de gestão se configurou como um obstáculo à coordenação das ações produtivas. Foi um dos motivos pelos quais a Copene teve sérios problemas na sua fase de partida operacional, que culminou com a demissão de todo o corpo gerencial da área de produção. Ficou claro logo de início a necessidade de formar gerentes para uma maior compreensão e aproximação com os trabalhadores. Inicialmente os treinamentos tinham uma característica bastante burocrática e taylorista que era treinar em planejamento, controle e organização, evoluindo para o desenvolvimento do estilo participativo de gestão. Na pesquisa desenvolvida por Pecchia, (1985) os operadores consideraram na época que os chefes após o treinamento se tornaram mais fechados e autoritários. É um momento em que os trabalhadores já vivem o início de um processo de perdas salariais, bastante exploradas pelo sindicato. As relações empresa e sindicato são difíceis, fechadas e a Copene é vista como desafio, pois é onde o sindicato historicamente possuía um menor número de filiados. Até então (1978 a 1985) só havia ocorrido uma greve de fome (1980) que causou um forte impacto e temor na hierarquia. Em 1985, a Copene é o palco central da primeira greve geral no pólo pelo seu papel estratégico de fornecedora de matérias primas. A produção foi paralisada durante uma semana, sob o comando do sindicato que se apossou das instalações da empresa, o exército foi chamado para fazer a reintegração de posse. Essa greve causou uma ruptura significativa nas relações empresa empregado e entre os empregados que aderiram e os que não aderiram ao movimento. A partir daí a estratégia da empresa foi resgatar essas relações internas e manter o sindicato afastado e sob controle.

Emerge então um novo modelo de RH cujas diretrizes eram: aperfeiçoar as relações empresa e empregado, promover um ambiente de participação, e promover um modelo de comunicação ascendente e descendente. Dessas diretrizes surge como estratégia a idéia de realização de uma Pesquisa Social que pudesse fundamentar a definição das Políticas na área humana.

Programas se proliferaram a partir daí sendo os principais o PRT (planejamento e revisão do trabalho), um sistema de metas compartilhadas e avaliadas conjuntamente por chefes e subordinados e os mecanismos de participação (reuniões e contatos com os empregados sobre as questões do trabalho). O PRT funciona bem em algumas áreas administrativas, mas é visto como mais um instrumento de controle entre os operários. Os mecanismos de participação, não se implementam de fato.

A pesquisa social é aplicada em 1987 em conjunto com o ISP da UFBA a 1328 empregados, fornecendo dados da empresa como um todo e dados por setor, gerando a contingência para os chefes, de trabalhar esses dados diretamente com seus subordinados. Apesar dos dados gerais e quantitativos serem positivos (60% de satisfação com o trabalho) os dados setoriais e qualitativos indicavam os pontos de investimento. A partir desses dados, nova lista de programas e ações é implementada: o PRT que tem aumento de mérito como conseqüência, revisão da estrutura e carreira salarial com ajustes e reclassificações em vários níveis; seminários de RH com os empregados esclarecendo dúvidas sobre seus direitos na fábrica; revisão do regime disciplinar e criação de uma norma de reconhecimento; fortalecimento do programa de prevenção às doenças ocupacionais; elaboração de um projeto de redução do ruído; construção de um refeitório único de bom padrão para chefes e empregados; criação de grupos de trabalho sobre alimentação e transporte: criação de um mecanismo permanente de monitoramento das relações de trabalho. A partir desse momento o órgão de Recursos Humanos denominado Direc (Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos), concentra-se fortemente nos programas de melhoria das condições de trabalho deixando de lado os pacotes importados.

 

O processo do repensar.


Até 1986, a Direc (Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos) não tinha um projeto próprio e amplo para a organização como um todo, e decide então formular uma estratégia de acordo com seus valores e marcos referenciais, assumir de forma mais significativa o comando das políticas e práticas relacionadas com os trabalhadores. A trajetória de formação desses profissionais, os levaram em primeiro lugar a considerar uma visão histórica dos movimentos do trabalho (taylorismo e fordismo) como processos básicos para se pensar uma função de RH que pudesse contribuir para construir um outro modelo de organização do trabalho que pudesse recuperar as funções humanas de pensar, sentir e agir perdidas no tempo. É nesse sentido que a Direc formula sua missão como buscar a melhoria das relações e da organização do trabalho, assegurando à Copene e seus empregados, desenvolvimento, valorização, respeito, confiança e compartilhamento dos resultados. Havia uma consciência crítica nos seus integrantes de que o seu papel não poderia ser o histórico reprodutor de controle da força trabalhadora mas de acionador de uma canal recuperador da sua fala e do trabalho em si.

As bases conceituais usadas como marcos referenciais na condução do trabalho, foi basicamente a teoria da Análise Sócio Técnica, com assessoria de Peter Spink (Professor da Pós Graduação da PUC e FGV de São Paulo), o modelo de mudança baseado na reorganização do trabalho do CENAFOR, de base marxista, com assessoria de Antônio Kuller e mais no fim o referencial da Psicologia Social de Pichon Riviére, que integra conceitos marxistas com conceitos psicanalíticos.

Como estratégia inicial emerge a idéia de um Seminário Gerencial de 40 horas, onde os participantes eram colocados num contexto dramático como se estivessem no futuro e a Copene tivesse ganhado um prêmio da melhor empresa do ano nas relações de trabalho. O seminário se desenvolve fazendo uma retrospectiva vivencial da história do trabalho, artesanato, taylorismo, fordismo, entra pela história da Copene, inclusive com a vivência da greve de 1985, chega ao presente e a um projeto para que a Copene possa ganhar o prêmio. O desafio simbólico era: como recuperar as características do artesanato numa empresa automatizada e taylorizada como a Copene. Esse seminário foi aplicado a todos os gerentes, supervisores e técnicos de nível superior, perfazendo um total de aproximadamente trezentas pessoas. Ao retornar às suas áreas os gerentes começaram a elaborar projetos de mudança tendo como base a reconcepção do trabalho, nos termos da Análise Sócio Técnica.

Importante ressaltar que não havia um projeto pré-concebido de como fazer, as idéias foram surgindo a partir da realidade de cada área. Uns se envolveram mais, outros menos, mas o processo foi se proliferando e emergiu o nome “Repensar”, o qual foi considerado pela empresa como um projeto organizacional com a orientação da direção de se generalizar por toda a empresa, a partir de 1988. O “Repensar” não tinha instruções operacionais mas tinha algumas diretrizes: superar a fragmentação do trabalho, unindo concepção com execução; exercício de uma gestão compartilhada; e desenvolvimento de uma consciência crítica da realidade.

Havia uma certa insegurança de alguns gerentes em relação ao alcance do processo, pois devido a uma cultura de centralização de decisões, a proposta parecia ser subversiva. Os empregados inicialmente encararam com muita desconfiança, como um possível instrumento de demissão, em seguida muitos deles demonstraram um forte envolvimento e motivação.

 

Efeitos do processo do “Repensar” na organização, relação e condições de trabalho, assim como no sistema de gestão.


O Repensar resultou em alterações significativas em termos da reconcepção dos postos de trabalho em todos os níveis principalmente o de operador e engenheiro (tanto o operador quanto o engenheiro executavam tarefas rotineiras e simples e passaram a ser treinados para exercer um novo papel mais complexo e condizente com a sua formação). Foi criado o PDO – plano de desenvolvimento do operador. Outros postos de trabalho foram extintos como, por exemplo, o de secretária e as pessoas passaram a exercer funções mais complexas. Foram criados e colocados em prática os mecanismos de participação: “Fale francamente”- reunião do Diretor Superintendente com os operários sobre as questões do trabalho; reunião do “pula um”- reunião do gerente com o nível de execução das tarefas da sua gerência, pulando o chefe de divisão; reunião de informação gerencial – encontro da diretoria com todas as chefias para discutir temas de importância das relações de trabalho; seminários para todos os empregados sobre a história da organização do trabalho; comitê de RH – reunião de todos os gerentes para decidir conjuntamente sobre os projetos na área de RH.

Ocorreu também a reconfiguração do PRT (planejamento e revisão do trabalho – sistema de metas de trabalho negociadas) de tal forma a torna-lo um instrumento de planejamento e acompanhamento grupal, cabendo à equipe e não mais só ao chefe a avaliação do empregado. O processo incluía uma autoavaliação. Criação de um grupo de trabalho formado por empregados para estudar e propor melhorias no PRT inclusive a sua conexão com o sistema de participação nos lucros .Criação de um grupo de empregados para rever o sistema de controle de pessoal e de discriminação dos empregados de nível médio. Esse grupo conseguiu a extinção das normas discriminativas (viagem, crachá, treinamento etc) e conseguiu abolir o sistema de ponto para toda a empresa, aplicado ao pessoal de nível médio. O supervisor da produção assumiu um novo papel o de chetur (chefe de turno), alcançando níveis de autonomia de chefe divisão, podendo assim gerir plenamente o seu pessoal. Formalização de um relatório semestral sobre os indicadores das relações do trabalho.

 

Avaliação dos resultados da experiência.

É percepção geral de todas as posições analisadas que o Repensar alterou a organização do trabalho, mais significativamente em algumas áreas do que em outras, embora em alguns órgãos tenham se limitado a rever sua estrutura hierárquica. O eixo central da mudança era o conteúdo do trabalho no sentido de enriquecimento das tarefas, a eliminação de tarefas repetitivas, e também a alteração das condições físicas de trabalho. Nesse processo, como o nível médio passou a desenvolver atividades de nível superior, esse precisou Repensar seu papel através de seminários onde se trabalhou a ameaça de perda de status e os novos papeis a serem assumidos. A idéia era: o engenheiro tem que “engenheirar”. A inversão da pirâmide na operação criou um número maior de vagas para os cargos mais nobres e conseqüentemente, a política de multifuncionalidade para o operador conhecer várias áreas. Os sistemas do PRT serviram de base, depois, para o de participação nos lucros. Houve a eliminação do ponto e das medidas discriminativas entre empregados de nível médio e superior.

Com relação à questão colocada na utopia do Repensar de romper com a lógica taylorista e resgatar as características possíveis do artesanato, as opiniões se dividem: por um lado se considera que no caso da engenharia sim, e inclusive, no seminário nacional de engenharia de processo, as pessoas relataram como estavam quebrando com o taylorismo nas suas áreas; por outro, há uma percepção que considera não ser possível se conseguir totalmente, que na atividade industrial é impossível, embora tenha se reduzido substancialmente as características tayloristas dessas atividades, principalmente no que diz respeito ao controle. Uma outra percepção é que o Repensar foi eficaz em devolver o controle do trabalho ao trabalhador, gerando um ambiente de liberdade de expressão e criatividade.

O Repensar resgata a figura do artesão simbolicamente, como bandeira do resgate da humanidade do trabalho, e parece que, embora não se possa afirmar que a experiência vivida alterou a essência alienante da relação de produção, ou que se resolveu a questão da alienação de uma forma plena, pode-se afirmar que, ao provocar alterações na organização do trabalho em si, foi possível gerar um processo em que as pessoas vivenciaram um período de satisfação no desenvolvimento do trabalho, pelo fato de estarem participando da sua criação.

As pessoas se sentiam, como coloca Quiroga (1998), integrados em si mesmos e com os outros, uma vez que podiam se assumir na condição de produtor e exercer sua capacidade crítica da realidade e transformar. Nesse sentido, poderíamos dizer que o processo se constituiu num laboratório de experimentação social, no momento em que criou condições ou experiências parcialmente desalienantes, diminuiu a distância entre concepção e execução (passagem de atividades da engenharia para produção), criou perspectivas de desenvolvimento na direção da ampliação do escopo do cargo (plano de carreira com inversão da pirâmide da operação), gerou um processo amplo de participação na definição das regras organizacionais, resultando em medidas de redução do controle das pessoas e do trabalho, aumento de autonomia, de poder de decisão e participação nos lucros (fim do controle de freqüência através do ponto, fim das discriminações entre nível médio e nível superior, sistema de participação nos lucros).

A experiência desenvolveu a relação do homem com o seu trabalho e com os outros homens em algumas dimensões, dentro da perspectiva colocada por Marx que considerava a recuperação do sentido do trabalho como a produção de um tipo de vida, de uma subjetividade permeada de sentimentos de auto realização, satisfação das suas potências essenciais, onde as pessoas pudessem usar plenamente as suas capacidades físicas e mentais.

 

Conclusões.


O Repensar, como vimos pela descrição das práticas antecedentes de Recursos Humanos, foi uma experiência construída em 15 anos; de uma forma incipiente no período anterior à greve, e com um impulso significativo após o conflito de 85 pela necessidade da empresa de recompor seu espaço interno junto aos empregados. Contou com o apoio do cenário político de abertura e surgimento do novo sindicalismo. Internamente com o desejo da empresa de se afastar da cultura Petrobrás, de ser moderna e de vanguarda. Tinha à frente,um órgão de Recursos Humanos que já vinha empreendendo ações no sentido de criar uma abertura interna e ter uma proposta própria, alternativa ao que era padrão na área. Diante de todos esses fatores, o que nós poderíamos acentuar seria o contexto externo de abertura e a greve de 85 como predominantes e dizer que o Repensar foi, em certo sentido, uma conquista dos trabalhadores.

Com relação ao modelo de Recursos Humanos, o Repensar desenvolveu realmente uma abordagem atípica, diante das práticas da época; mas isso não seria possível se não houvesse esses cenários, interno e externo, absorvendo e integrando a experiência, tanto é que hoje, onze anos após a implantação das diretrizes neoliberais nas empresas, a área de Recursos Humanos sofreu uma redução significativa da sua atuação, ficou sem tarefa, quer pelos processos de demissão em massa, quer pelo advento da Qualidade Total. É raro se encontrar hoje uma equipe, dentro de uma organização, desenvolvendo um trabalho que implique numa proposta própria, até porque muitas empresas extinguiram seus departamentos de RH ou o subordinaram ao da Qualidade. Por outro lado, a condução de um processo com essa dimensão por quatro pessoas, auxiliadas mais de perto por um grupo de onze gerentes, demonstra o papel dos sujeitos na transformação de uma realidade. Na comparação com a proposta da Qualidade Total, efetivamente o Repensar se mostrou ser uma estratégia diferenciada, quer conceitualmente, quer na prática, muito embora tenha causado confusão para algumas pessoas em determinado momento. A imagem trazida de que “a Copene substituiu as pessoas pelos procedimentos” traduz bem essa diferenciação; inclusive é a própria empresa que avalia hoje que a Qualidade Total padronizou muito e tolheu a criatividade e que agora estava tentando recuperar a autonomia do operador com o TPM. (manutenção da produtividade total).

O Repensar efetivamente não rompeu com a lógica taylorista na sua essência, principalmente no que diz respeito à separação entre concepção e execução, mas alterações foram feitas no âmbito do trabalho nesse sentido. Houve uma significativa melhoria das condições de trabalho e o mais importante é que foram criados espaços de conscientização, participação e tomada de decisão, cujo significado para as pessoas, poderíamos supor, foi parcialmente desalienante, uma vez que possibilitou pensar sobre o que faziam e como faziam, sugerindo alterações, questionando os mecanismos de controle e participando de decisões sobre as regras de gestão da empresa. Esses espaços de participação confrontaram a lógica taylorista do controle externo ao trabalho, devolvendo ao trabalhador a possibilidade de definir como queria trabalhar.

A experiência mostrou que, pensar coletivamente a organização do trabalho em si, pode ser um âmbito de fundamental importância, se considerarmos que a mudança das relações sociais acontece de forma processual, através de frentes que permitem iniciar experiências de participação e construção de uma nova forma de se organizar a produção social, e da sociabilidade dentro de um sistema capitalista. Nesse sentido, as dimensões mais atingidas pelo Repensar foram: a relação do trabalhador com o seu produto do trabalho, a relação com o outro trabalhador, e a relação consigo mesmo, gerando uma satisfação em trabalhar, um clima de alegria e afetividade, integrando o pensar sentir e agir; como também um padrão de relações interpessoais pautado na cooperação e na amizade.

O Repensar foi um processo contraditório por lidar de um lado, com uma cultura extremamente autoritária e de outro, com a possibilidade de mudança dessa cultura, através de um modelo de racionalidade oposta; isso gerou em muitos momentos confusão, insegurança, mistura de objetivos. Um processo que emergiu da história, da petroquímica, da Copene, das pessoas envolvidas; não foi uma receita pronta, importada dos EUA ou Japão, até porque um dos valores era a construção conjunta, a partir do ponto onde mais incomodava aos trabalhadores, cada grupo poderia ter o seu caminho. Nesse sentido, o Repensar foi um processo legítimo. A teoria Sócio Técnica serviu como referência, mas não como modelo acabado, de forma geral, foram usadas diretrizes e não procedimentos.

A analogia feita com um movimento político em algumas percepções denota não só essas contradições, mas o aspecto do processo construído. O grupo que liderava o Repensar era visto como a “oposição”, e o grupo que resistia como a “situação”. Entretanto, quando o Repensar se torna oficial, a oposição passa a ser também situação e a situação, oposição. Isso implicava numa luta de poder muito grande entre o escalão dos chefes de divisão, que lideravam o Repensar, e seus próprios chefes, os gerentes, que eram contra; nesse sentido, em termos do poder hierárquico, a ascensão do Repensar significou de certa forma uma inversão do comando da empresa, os chefes de divisão passaram a ter mais força do que os gerentes , seus superiores. Essa idéia do Repensar enquanto um movimento político, a exemplo do movimento estudantil, de esquerda, dá a dimensão do fato de ter sido efetivamente uma proposta que encerrava um sentido crítico permanente da realidade, à luz de valores e princípios emancipadores do trabalho humano.

Uma outra dimensão importante do Repensar era a inexistência de pressão por prazo, o qual era definido internamente pelos grupos, de acordo com suas necessidades. Hoje nós vemos um processo de alienação progressiva nas empresas, fruto do que Harvey denominou da compressão tempo espaço, oriundo da aplicação da velocidade do capital financeiro à vida nas empresas e à vida social em geral. Inclusive é um aspecto que gera muito stress na Copene de hoje, que já pensa em estabelecer uma estratégia para que os trabalhos sejam entregues antes dos prazos estipulados.

O Repensar morreu enquanto “movimento”, morreu enquanto processo participativo e de valorização do ser humano. No lugar de discutirem o sistema de controle do trabalhador, a avaliação de desempenho ou a participação nos lucros, hoje, os empregados discutem sobre a ceia de natal e a festa de São Jõao; no lugar de assistirem a palestras sobre a conjuntura política econômica e social com os maiores nomes da academia, hoje, os empregados assistem palestras sobre férias e emprego doméstico; no lugar de conseguirem um grande projeto de redução do ruído na área e um refeitório de excelente nível de alimentação, os empregados conseguem que a empresa pague a sua parte da assistência médica supletiva com antecedência, referente a eventos de grande porte como o enfarto, para que caso ocorra e seja necessário fazer uma ponte de safena, já esteja pago. Hoje o lugar onde os empregados se sentem “gente”, segundo Recursos Humanos é no ônibus, fora da empresa, jogando dominó, atividade que a empresa quer proibir por razões de segurança.

Mas o Repensar deixou algumas alterações na organização do trabalho as quais existem até hoje; deixou também, na representação das pessoas que participaram mais diretamente, a idéia, o sentimento e até ações que denotam que foi um processo que valeu a pena, uma referência, um exemplo de possibilidade. Quatro trabalhos já foram desenvolvidos, inspirados no Repensar: uma tese de mestrado sobre o papel do diálogo; uma monografia de especialização sobre motivação onde foram reunidos empregados de vários segmentos da empresa para debater a temática e o que emergiu foi o Repensar como exemplo de estratégia motivadora e segundo um dos autores, a maior parte do tempo foi gasta com os empregados antigos explicando para os novos o que tinha sido o Repensar; uma monografia de especialização que também descreve o Repensar; um livro contendo uma crítica a todas as escolas de Recursos Humanos e à Qualidade Total, apresentando o Repensar como uma atividade de criação humana.

 

Para além do Repensar.


O Repensar foi uma experiência que aproveitou os espaços deixados pela contradição capitalista, que ao mesmo tempo em que gera passividade e reprodução, incita, segundo Bihr,( 1998), indivíduos e grupos a se colocarem, mesmo que formalmente, como sujeitos políticos, reivindicando soberania sobre os diferentes atos da vida social.

Ao formular as “vias de renovação” do capitalismo, o autor propõe, como já vimos, a redução da jornada de trabalho, e um trabalho desenvolvido de forma a integrar concepção e execução, valorizando o ser humano. Propõe ainda uma renda social como um direito que a sociedade assegura ao cidadão, durante toda a sua existência, em troca da sua participação no desenvolvimento do trabalho socialmente necessário. Esse aspecto descaracterizaria o que hoje se pratica como “renda mínima”, de natureza assistencial que termina por colocar o indivíduo na posição de proscrito e suspeito de vagabundagem. Essa renda social seria um mecanismo de promover o trabalho para todos, resolvendo o problema do desemprego.

Para Antunes (1999), a redução da jornada de trabalho (sem redução de salário) tem sido uma das mais importantes reivindicações do mundo trabalho, por se constituir num mecanismo de contraposição à extração do sobretrabalho, realizada pelo capital desde a sua gênese. É um debate que possibilita uma reflexão fundamental sobre o auto controle, sobre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo de vida, como também, por permitir o afloramento de uma vida de sentido fora do trabalho, assim como articular a ação contra o controle opressivo do capital. Para o autor, reduzir só o tempo em si não é suficiente, mas também a intensidade das operações realizadas, pois na prática não haveria avanço se o tempo é reduzido e adicionada uma sobrecarga de trabalho.

Nesse ponto é que Antunes (1999), relaciona uma vida de sentido fora do trabalho com uma vida de sentido dentro do trabalho, uma vez que é impossível compatibilizar trabalho assalariado, feitichizado e estranhado, com o tempo verdadeiramente livre. Para o autor, como o sistema global dos nossos dias abrange também as esferas da vida fora do trabalho, a desfetichização da sociedade do consumo tem como corolário a desfetichização da produção das coisas, o que torna necessário uma ação pelo tempo livre interrelacionada com uma luta contra a lógica do capital e do trabalho abstrato. O que coloca em cena a questão do que produzir e para quem.

Se a busca é pelo sentido do trabalho, o objetivo não poderia se restringir à organização do mesmo, ao trabalho para todos e à renda social, mas deveria se ampliar no sentido de buscar o trabalho socialmente necessário, colocando prioridades e limites ao desenvolvimento cego e destrutivo das forças produtivas de hoje. Destrutivas não só em termos da natureza, mas também da exploração da força de trabalho humana, do gigantismo dos meios de produção e da perversão do sistema social de necessidades.

Em função disso é que Bihr (1998) propõe avançar na via de controle do uso das forças produtivas pela sociedade, em primeiro lugar, pelo proletariado; e para isso propõe alguns critérios para a reorientação da produção social: um critério ecológico, com o favorecimento de produtos e modos de produzir que economize e preserve os recursos naturais, assim como mantenha o equilíbrio ecológico; um critério de economia do trabalho, ou seja, procurar satisfazer da melhor maneira possível as necessidades sociais com o mínimo de recursos naturais e trabalho social; utilidade social, na forma de uma reorientação da produção para necessidades coletivas no lugar das individuais, em matéria de saúde, educação, cultura, transporte e habitação. Abandono de produções socialmente inúteis ou nocivas, como as indústrias de armamentos, e alguns setores da indústria química; critério organizacional no qual haveria uma descentralização e desconcentração do aparelho produtivo e da gestão da sociedade, com o objetivo de promover o controle da comunidade e a autogestão das unidades de produção pelos trabalhadores; cooperação internacional, no sentido de tornar o sistema produtivo útil não só para os países desenvolvidos, mas também para os países do terceiro mundo, e engajar-se na luta contra a dependência e subdesenvolvimento.
Antunes (1999) considera que a luta pela redução do tempo de trabalho e ampliação do tempo fora do trabalho deve estar articulada à luta contra o sistema de metabolismo social do capital que converte o “tempo livre” em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impelido a capacitar-se para melhor competir no mercado de trabalho, ou ainda, exaurir-se num consumo coisificado e feitichizado, inteiramente desprovido de sentido. Para o autor, os fundamentos básicos da criação de um novo sistema, baseiam-se em dois princípios : o sentido da sociedade voltada exclusivamente para o atendimento das efetivas necessidades humanas e sociais, e o exercício do trabalho como sinônimo de auto-atividade, atividade livre, baseada no tempo disponível. Esses seriam desafios que se colocam, se queremos construir uma alternativa para além do capital. E acrescenta:

 O exercício do trabalho autônomo, eliminado o dispêndio de tempo excedente para a produção de mercadorias, eliminado também o tempo de produção destrutivo e supérfluo (esferas estas controladas pelo capital), possibilitará o resgate verdadeiro do sentido estruturante do trabalho vivo, contra o sentido desestruturante do trabalho abstrato para o capital. Isso porque, o sistema de metabolismo social do capital, o trabalho que estrutura o capital, desestrutura o ser social…. Numa forma de sociabilidade superior, o trabalho, ao reestruturar o ser social, terá desestruturado o capital. ( Antunes, 1999: 182).

Mas as próprias contradições dessa sociabilidade capitalista abrem caminhos para a construção de uma “individualidade social”, nos termos de Palloix e Zarifian (1988), capaz de se reapropriar do sentido e do conteúdo das relações com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Segundo Bihr (1998), oferecem claramente condições para uma estratégia revolucionária. A hipótese do autor é que essa estratégia teria como base redes organizadas de contrapoderes [3], originárias do desenvolvimento de projetos alternativos dentro e fora do trabalho, tornando possível a construção de um outro tipo de sociedade.

O processo se daria de forma gradativa, onde uma primeira etapa se caracterizaria por práticas parciais e locais de contrapoderes, dentro e fora do trabalho, apoiando uma autogestão dos trabalhadores, de suas lutas, organizando-se em coletivos de base nas empresas e nos bairros, ao mesmo tempo que desenvolveriam projetos alternativos a serem executados pelos próprios trabalhadores. É possível supor que a experiência do Repensar tenha se constituído num contrapoder localizado, dentro do trabalho, que procurou criar uma “outra maneira de trabalhar” e foi esse sentido radical do Repensar que esbarrou com as relações sociais que dão sustentação ao trabalho abstrato – no plano de sua materialidade – e que não suporta a subversão das relações de poder no trabalho, pois ela pode facilitar a subversão das relações de poder do trabalho.

A segunda etapa seria de multiplicação e coordenação das práticas anteriores, na mais ampla escala de regiões, nações ou grupo de nações, criando uma sociedade alternativa, ampliando os espaços de liberdade, com base na existência de redes densas de cooperativas, de movimentos sociais, gerindo planos inteiros da vida social e econômica (por exemplo os equipamentos coletivos e os serviços públicos), num processo de reapropriação e gestão democrática, de pelo menos, algumas das engrenagens da vida social.

Esse processo criaria uma realidade em última análise, instável e transitória, e que levaria a um enfrentamento com o poder oficial. A terceira etapa seria precisamente o momento da “ruptura” com o capitalismo, onde o contrapoder proletário chega a desmantelar o aparelho do estado para substitui-lo na gestão geral da sociedade. Para Bihr, essa estratégia permite superar a oposição estéril entre luta por reformas e luta revolucionária, pois assegurar a extensão e o enraizamento de contrapoderes no seio da vida social, difundindo ao mesmo tempo, através deles, uma cultura antiautoritária; é criar simultaneamente uma pressão transformadora sobre o capitalismo atual, para modificar as regras do jogo em um sentido favorável aos trabalhadores.
A utopia de Alan Bihr é inovadora não só na sua estratégia de contrapoderes, mas também por defender um projeto de transformação social que articula o desejo de autonomia individual com as lutas que visam garantir as condições de emancipação coletiva, ou seja, integra a realização de cada um, da sua individualidade, à construção da nova sociabilidade.

Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existente nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar – agora, mais do que nunca é preciso cantar. Por isso,

“Operário do canto me apresento,
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito e – expresso documento –
a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto
Há um mar de som no búzio de meu canto
Trabalho à noite em revezamentos.
Se há mais quem cante, cantaremos juntos;
Sem se tornar com isso menos pura,
A voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre,
Onde não haja ouvidos limpos e almas
afeitas a escutar sem preconceito,
para enganar o tempo – ou distrair criaturas já de si tão mal atentas,
não canto.
Canto apenas quando dança,
Nos olhos dos que me ouvem, a esperança”

Do poema “Da profissão do poeta”
De Geir campos

 

 
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