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Reparação em Tempo 28 de agosto de 2009

Com este post iniciamos uma nova categoria: textos de amigos e de leitores.

 

Começamos com um texto de um amigo: Rodolpho Rocha, cujas referências estão na nota 1.

 

 

Por Rodolpho Rocha[1]

Nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tantas elucubrações sobre o tempo, sua importância, como usá-lo, como se tornar mais feliz dele se apropriando.

 

O que antes parecia ser preocupação dos poetas, compositores populares e filósofos pré-socráticos, hoje invadiu o erudito mundo dos negócios. Daí essa intensa “manifestação cultural” que, de forma mais oportunista que ingênua, nos apresentam receitas e recomendações para a conquista da felicidade neoliberal.

 

“Gestão do Tempo”, “Maximização do Tempo”, “Otimização do Tempo”, “Produtividade Pessoal”, são alguns dos títulos de livros ou de workshops que demonstram nossa conversão a esse tão disciplinado e eficiente ramo do conhecimento humano.

 

Em contraponto a esse ciclo de modernidade, segue o texto abaixo elaborado após entrevista com membro dissidente do movimento[2].

 

Tempo você não investe.

Tempo você não resgata.

Tempo você não empresta.

Tempo não se desperdiça.

Tampouco se recupera.

Tempo nunca foi dinheiro,

(pois se o fosse, os Bancos dele se apropriariam e,

generosamente, o venderiam para nós com juros obscenos).

Tempo você não acumula,

porque não se pode ser guardado.

Tempo não passa, não vai, nem fica,

porque não é bloco de Carnaval,

nem catapora, nem propaganda gratuita de TV.

Tempo nunca se esgota,

o que acaba é apenas a areia fina

que um idiota desocupado

despejou num vidro de cintura fina e o chamou de ampulheta,

não sabendo o que fazer com o tamanho do seu tédio e o vazio da sua solidão.

Tempo não pode ser gerido,

porque você não é seu dono.

Tempo não pode ser absorvido,

porque não há estoque de toalha de papel disponível.

Tempo não pode ser curtido,

porque não é picles exibido em gôndola de supermercado.

Tempo não passa lentamente.

Tempo não voa tão depressa,

porque não é passarinho, não come alpiste, nem caga na sua desatenta cabeça globalizada.

Ninguém consome tempo,

nem por ele é consumido,

porque tempo não é alimento, não engorda, não provoca gases nem é distribuído em cestas básicas.

Tempo não cura porra nenhuma!

E nem faz parte do receituário farmacológico nacional (incluindo genéricos).

Tempo não acaba com sua dor de corno,

e nem apaga as cagadas que você cometeu.

Foi você, com sua sabedoria quase desconhecida

que guardou toda essa dor, toda essa ira

no lugar certo, dando-lhe o seu verdadeiro tamanho e significado.

E agora torna esses eventos quase bonitos

posto que é só lembrança.

Mas o tempo não tem nada a ver com isso!

Portanto, se você quer aprender sobre o tempo

fale com os malucos que nunca

acreditaram na divisão passado-presente-futuro que quiseram lhe impingir.

Ou fale com os preguiçosos,

que quase por reverência (ou por inércia)

não explicam o tempo, nem pensam em dominá-lo,

sabiamente, a ele se entregam!


 

[1] Notas sobre o autor: Rodolpho Rocha é consultor de empresas e vê com muita seriedade as questões relacionadas à administração e uso do tempo. Faz questão de destacar que o texto quase-poema não reflete sua posição pessoal, porque ele não sabe se a tem. A história é fictícia, o personagem é fictício, o congresso também o é. Só é verdadeira a morena e seu sorriso escancarado, assim como a praia deserta no litoral baiano que o brancaleônico exército dos ambientalistas insiste em preservar.

 

[2] Notas sobre o personagem: O personagem em questão era renomado palestrante de seminários internacionais sobre Administração do Tempo e não raras vezes aparecia em capas de revistas especializadas. Ocorre que num grande evento em São Paulo, onde faria a conferência magna, não apareceu: estava em ótima e sorridente companhia numa praia deserta no litoral baiano. Foi injuriado, foi processado, perdeu muito dinheiro, perdeu todo prestígio conquistado. Mas não se arrependeu nem um pouco da decisão tomada e hoje encanta turistas que compram suas peças de artesanato e ficam deslumbrados com o seu inglês tão fluente.