Citei, em Das variações e limitações da memória 2, a peça teatral Liberdade, Liberdade, de Millor Fernandes e Flávio Rangel. Dela, duas cenas me acompanham ainda hoje: a primeira e a última. Na primeira montagem da peça, em um momento da primeira cena, Paulo Autran diz:
“Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nesses metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar (no fundo, os acordes da Marcha da Quarta-feira de Cinzas).
‘Operário do canto, me apresento sem marca ou cicatriz, limpas as mãos, minha alma limpa, a face descoberta aberto o peito, e – expresso documento – a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto há um mar de som no búzio de meu canto. Trabalho à noite e sem revezamentos. Se há mais quem cante cantaremos juntos; sem se tornar com isso menos pura, a voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre, onde não haja ouvidos limpos e almas afeitas a escutar sem preconceito. Para enganar o tempo – ou distrair criaturas já de si tão mal atentas, não canto…
Canto apenas quando dança, nos olhos dos que me ouvem, a esperança.”
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Os versos são um excerto de Profissão do Poeta, poema de Geir Campos.
Acredito que se possa dizer da tarefa de educar o mesmo que é dito em Liberdade, Liberdade a respeito do ator e, no poema, do poeta. Até hoje, quando vou iniciar um curso, repito mentalmente as palavras: “Operário do canto…”. É, para mim, também sempre presente uma analogia entre a sala de aula e “os poucos metros de tablado” e as conseqüências similares de uma vida dedicada, com paixão, a esses particulares espaços de ação.
A cena final de Liberdade, Liberdade também é marcante. Dela, fiz uma adaptação para fins didáticos. Uso essa adaptação como uma cerimônia de conclusão de curso. Ela está reproduzida a seguir. Começo dizendo:
“A última palavra é a palavra do poeta; a última palavra é a que fica.
A última palavra de Hamlet: O resto é silêncio.
A última palavra de Júlio César: Até tu, Brutus?
A última palavra de Jesus Cristo: Meu pai, meu pai, por que me abandonaste?
A última palavra de Goethe: Mais luz!
A última palavra de Booth, assassino de Lincoln: Inútil, inútil…
E a última palavra de Prometeu: Resisto!”
A última palavra de Y (nome de um participante): O participante diz sua última palavra.
A última palavra de X (nome de outro participante): A cena anterior se repete, com X dizendo sua última palavra.
A última palavra de N (nome do último participante): A cena se repete.
Por fim, digo a minha última palavra e encerro o curso.
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Até a última palavra de Prometeu, o texto é de Liberdade Liberdade.
Não é em todo o final de curso que promovo essa cerimônia de encerramento. Reservo-a para aqueles cursos que efetivamente foram espaço para vivências profundas e oportunidade de aprendizagens muito significativas. Não sei se por isso ou pela força da cena, o momento é sempre emocionante. Tão emocionante quanto foi viver a cena final, quando a assisti pela primeira vez.
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